A terapia proposta
pelo poeta, em vez de se concentrar em existências hipoteticamente vividas no
passado – como tanto se deduz pelas inúmeras publicações sobre a matéria, em
linhas editoriais a perder de vista –, diz respeito a algo que há de transcorrer
no futuro, “quando a vida zerar” e o destino oscilar na dúvida e no
imperscrutável, à presença de acordes das “belas músicas das esferas”.
Veja o leitor o lado
espirituoso da questão: nas ciências matemáticas, o termo “regressão”, a par de
promover o ajuste de uma curva a pontos correlacionados entre duas ou mais variáveis,
ocorridos no passado, tenciona estimar, sob tal contexto, o valor de uma dada
variável no futuro – e não apenas voltar-se ao pretérito, para deslindar os
traumas que nos assolam no presente – como na terapia de vidas passadas.
Assim, perscrutar vidas
por vir nos parece assaz congruente em relação ao encargo maior de um verdadeiro
poeta – a de um previsor, a de um visionário sobre conjunturas futuras, nada
perceptíveis aos comuns dos mortais...
J.A.R. – H.C.
Ademir Assunção
(n. 1961)
Terapia de Vidas
Futuras
para rodrigo garcia
lopes
quando a vida zerar,
quando tudo
terminar, quando a
nave
estiver pronta,
quando o ponto for ponto
final e, entretanto,
o bilhete
de passagem não tiver
destino, rumo, nem
direção – quantos
amores, quantos
odores, as peles,
as mulheres, os
homens, os cães
– e nesse momento
fugaz, os senões
serão somente nadas,
sermões,
ilusões, frases que
se perderam
na fumaça dos
cigarros, as fissuras,
as firulas, as
ranhuras, guerras travadas
na penumbra das
nuvens não vistas,
e no fim do corredor,
aquele ponto, um
porto tão inseguro,
onde navios
bêbados atracam,
seduzidos
pelos silvos das
sereias, sob
o obelisco silente
das estrelas, tão
belas músicas das
esferas
Carvalho
(Celeste Schexnaydre:
arteterapeuta norte-americana)
Referência:
ASSUNÇÃO, Ademir.
Terapia de vidas futuras. In: DEMARCHI, Ademir (Organização, Seleção e
Apresentação). 101 poetas paranaenses. v. 2 (1959-1993). Antologias de
escritas poéticas do século XIX ao XXI. Curitiba, PR: Secretaria de Estado da
Cultura; Biblioteca Pública do Paraná, 2014. p. 44. (Biblioteca ‘Paraná’)
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