Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 2 de maio de 2023

Dora Ferreira da Silva - O reflexo que fomos...

Na curva final da estrada, onde as memórias calam fundo na alma, a voz lírica se reporta aos reflexos de um relacionamento íntimo, encetado com alguém em andança numa “calçada” que lhe era paralela, lhanos ambos no ânimo, mas abertos às vicissitudes do coração – e completamente “distraídos de tudo em torno”.

 

Os versos fluem como se um “canto de cisne” fossem, no âmbito de um affaire amoroso (alguém poderia afirmar, à luz do que sugere o poema, tratar-se de algo bem mais profundo!), em que “palavras nuas” foram largadas ao longo da senda: na “tarde quase noite”, o que poderiam atinar os outros que, nessa rua, se encontram um tanto distantes das cercanias desse bem-querer?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Dora Ferreira da Silva

(1918-2006)

 

O reflexo que fomos...

 

O reflexo que fomos na calçada

lado a lado: um deus e um quase nada

a modo de crianças calmas.

Não sei se nos olhamos

se roçamos nossas palmas

ou afloramos um do outro

a pele delicada e a alma.

A inocência de qualquer começo

do coração o arremesso

a estranha sorte dos que tentaram

reconhecer-se a fundo

distraídos de tudo em torno.

Que sabem os outros dessa rua

da tarde quase noite, da lua

de alguma palavra ali largada

nua?

 

Em: “Cartografia do imaginário” (2003)

 

Reflexos do amor a reluzir

(Bonnie Marie: pintora norte-americana)

 

Referência:

 

FERREIRA DA SILVA, Dora. O que reflexo que fomos... In: HENRIQUES NETO, Afonso (Seleção e Prefácio). Roteiro da poesia brasileira: anos 70. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2009. p. 18. (Coleção ‘Roteiro da poesia brasileira’; direção de Edla van Steen)

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