O sujeito lírico
personifica nitidamente a respiração, a transportar ideias e ideais, íntimas e
ressonantes palavras, num fluxo e refluxo contínuo como o da cinética marinha: trata-se
de manter-se vivo por meio da expressão poética, transcender, aperfeiçoar-se em
imersão diuturna nessa câmara de ar – lídima testemunha da energia criativa do
poeta.
As coisas mudam e, no
entanto, parecem sempre as mesmas, assumindo ao olhar do falante certo arroubo
espiritualista, autêntico e personalíssimo, cinzelado indelevelmente nas linhas
do poema: a face mais íntima de nosso alento talvez nos fale do quanto são
plenamente conexas todas as formas de vida, ou melhor, tudo quanto nos chega à
consciência. Quem sabe?!
J.A.R. – H.C.
Rainer Maria Rilke
(1875-1926)
II, 1
Atmen, du
unsichtbares Gedicht!
Immerfort um das
eigne
Sein rein
eingetauschter Weltraum. Gegengewicht,
in dem ich mich
rhythmisch ereigne.
Einzige Welle, deren
allmähliches Meer ich
bin;
sparsamstes du von
allen möglichen Meeren, –
Raumgewinn.
Wieviele von diesen
Stellen der Räume waren schon
innen in mir. Manche
Winde
sind wie mein Sohn.
Erkennst du mich,
Luft, du, voll noch einst meiniger Orte?
Du, einmal glatte
Rinde,
Rundung und Blatt
meiner Worte.
Im: “Die Sonette an
Orpheus” (1923)
As ondas rompendo
(Claude Monet: pintor
francês)
II, 1
Respirar, invisível dom – poesia!
Permutação entre o
espaço infinito
e o ser. Pura
harmonia
onde em ritmos me
habito.
Única onda, onde me
assumo
mar, sucessivamente
transformado.
De todos os possíveis
mares – sumo.
Espaço conquistado.
Quantas dessas estâncias
dos espaços
Estavam já em mim. E
quanta brisa
como um filho em meus
braços.
Me reconheces, ar,
nas tuas velhas lavras?
Outrora casca lisa,
céu e folhagem das
minhas palavras.
Em: “Sonetos a Orfeu”
(1923)
Referência:
RILKE, Rainer Maria. II, 1: Atmen, du unsichtbares gedicht! / II, 1: Respirar, invisível dom – poesia!. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de (Tradução e Introdução). Irmãos germanos: poemas traduzidos de Paul Fleming et alii. Florianópolis, SC: Editora Noa Noa, 1992. Em alemão e em português: p. 37.
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