As palavras de
Proust, neste poema, detêm-se em retratar alguns contornos da personalidade do
compositor polonês, além de externar alusões a fatos de sua vida e à sua saúde
precária, tudo muito bem bafejado pela forma como a música de Chopin teria,
presumivelmente, suscitado sentimentos no ânimo do escritor francês, os quais, de
resto, perpassam largamente as suas obras literárias.
Evoca-se, numa
atmosfera com nuances simbolistas, o Chopin dos noturnos – “camarada da lua e
das águas pálidas e suaves”, “mar de suspiros, de lágrimas, de soluços”: com
efeito, avançam as linhas pejadas de elementos binários – dor e olvido, sorriso
e lágrima, tristeza e alegria –, arrastando consigo muito do que se poderia
dizer da natureza nobre e enfermiça do grande pianista.
J.A.R. – H.C.
Marcel Proust
(1871-1922)
Chopin
Chopin, mer de
soupirs, de larmes, de sanglots
Qu’un vol de
papillons sans se poser traverse
Jouant sur la
tristesse ou dansant sur les flots.
Rêve, aime, souffre,
crie, apaise, charme ou berce,
Toujours tu fais
courir entre chaque douleur
L’oubli vertigineux
et doux de ton caprice
Comme les papillons
volent de fleur en fleur;
De ton chagrin alors
ta joie est la complice:
L’ardeur du
tourbillon accroît la soif des pleurs.
De la lune et des
eaux pâle et doux camarade,
Prince du désespoir
ou grand seigneur trahi,
Tu t’exaltes encor,
plus beau d’être pâli,
Du soleil inondant ta
chambre de malade
Qui pleure à lui
sourire et souffre de le voir...
Sourire du regret et
larmes de l’Espoir!
Fryderyk F. Chopin
(1810-1849)
Chopin
Chopin, mar de
suspiros, lágrimas, soluços
Que um voo de
borboletas cruza sem pousar
Brincando com a
tristeza ou dançando sobre as ondas.
Ama, sonha, sofre,
grita, acalma, encanta ou embala,
Fazes sempre escorrer
entre cada dor
O olvido vertiginoso
e doce do teu capricho
Como as borboletas
voam de flor em flor;
E então de tua mágoa
é cúmplice a alegria:
O ardor do turbilhão
aumenta a sede de prantos.
Pálido, suave
companheiro da lua e das águas,
Príncipe do desespero
ou fidalgo traído,
Tu te exaltas ainda,
mais belo em seres pálido,
Com o sol que inunda
o teu quarto de doente
Que lhe chora a
sorrir e sofre de o ver
Sorrir de pena e das
lágrimas da Esperança!
Nota:
(*). O tradutor
Fernando Py, apresenta a nota de rodapé no introito à seção “Retratos de
pintores e músicos” da obra em referência: “Os poemas que se seguem são
cuidadosamente rimados e metrificados no original. Todavia, pareceu-me
preferível dispor os versos dando realce ao ritmo, que é bastante musical, sem
me prender, ao traduzi-los, à métrica e à rima”.
Referências:
Em Francês:
PROUST, Marcel.
Chopin. In: __________. Les plaisirs et les jours. Illustrations de
Madeleine Lemaire. Préface d’Anatole France. Paris, FR: Calmann Lévy Éditeur,
1896. p. 135. Disponível neste endereço. Acesso em 24 fev.
2023.
Em Português:
PROUST, Marcel.
Chopin. Tradução de Fernando Py. In: __________. Os prazeres e os dias.
Tradução de Fernando Py. Rio de Janeiro, RJ: Editora Rio Gráfica, 1986. p.
119-120. (Coleção ‘Grandes Sucessos da Literatura Internacional’; v. 13)
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