Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 25 de março de 2023

Michelangelo Buonarroti - A Deus

Neste que é um dos sonetos mais reproduzidos do grande artista do Renascimento italiano, o falante experimenta os comuns obstáculos para se chegar a um diálogo sincero com Deus, apondo elementos de contraste entre o querer e o não querer, o finito e o infinito, o fogo e o gelo, para denotar, desse modo, o quanto é frágil toda a humana aspiração, sua pretensa liberdade, perante os inescrutáveis desígnios do divino.

 

Surpreende as atribulações da fé em um espírito que dedicou a maior parte de sua existência a produzir arte – e que magnânima arte! – para a Igreja: superar o conflito pessoal, o orgulho ferino, o sentimento de dúvida a perpassar o rol exordial de ponderações condicionais, para, a valer, acercar-se dessa Luz inextinguível, que a modos tangíveis se lhe apresentava tão próxima – e paradoxalmente – tão distante quanto os corredores e as salas do Vaticano.

 

J.A.R. – H.C.

 

Michelangelo Buonarroti

(Retrato de Sebastiano del Piombo)

(1475-1564)

 

CXL

 

Vorrei voler, Signior, quel ch’io non voglio:

Tra ’l foco e ’l cor di iaccia un vel s’ asconde,

Che ’l foco ammorza; onde non corrisponde

La penna all’ opre, e fa bugiardo ’l foglio.

 

I’ t’ amo con la lingua, e poi mi doglio;

Ch’ amor non giungie al cor, nè so ben onde

Apra I’ uscio alia grazia, che s’ infonde

Nel cor, che scacci ogni spietato orgoglio.

 

Squarcia ’l vel tu, Signior, rompi quel muro

Che con la suo durezza ne ritarda

II sol della tuo luce al mondo spenta.

 

Manda ’l preditto lume a noi venturo

Alla tuo bella sposa, accio ch’ io arda

E te senz’ alcun dubbio il cor sol senta.

 

 Deus, o Pai

 (Jacob Herreyns: pintor flamengo)


A Deus

 

Quisera, ó Deus, querer o que não quero.

Por entre o coração de gelo e o fogo

Um véu de sombra cai, que esfria logo

A chama e faz meu cântico insincero.

 

Senhor, te amo com a boca, e desespero

De não sentir o amor no peito; e rogo

Que a tua graça seja o desafogo

Desta alma presa de um orgulho fero.

 

Rasga esse véu, Senhor! Rompe esse muro

Que com sua dureza me retarda

O sol de tua luz, no mundo extinta.

 

Manda o predito lume do futuro

À tua bela esposa, a fim que eu arda

E na certeza desse amor te sinta.

 

Referência:

 

BUONARROTI, Michelangelo. CXL / A Deus. Tradução de Ivo Barroso. In: BARROSO, Ivo (Organização e Tradução). O torso e o gato: o melhor da poesia universal. Prefácio de Antonio Houaiss. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em italiano: p. 46; em português: p. 47.

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