Neste que é um dos
sonetos mais reproduzidos do grande artista do Renascimento italiano, o falante
experimenta os comuns obstáculos para se chegar a um diálogo sincero com Deus, apondo elementos de contraste entre o querer e o não querer, o finito e o
infinito, o fogo e o gelo, para denotar, desse modo, o quanto é frágil toda a humana
aspiração, sua pretensa liberdade, perante os inescrutáveis desígnios do divino.
Surpreende as atribulações
da fé em um espírito que dedicou a maior parte de sua existência a produzir arte
– e que magnânima arte! – para a Igreja: superar o conflito pessoal, o orgulho ferino,
o sentimento de dúvida a perpassar o rol exordial de ponderações condicionais,
para, a valer, acercar-se dessa Luz inextinguível, que a modos
tangíveis se lhe apresentava tão próxima – e paradoxalmente – tão distante
quanto os corredores e as salas do Vaticano.
J.A.R. – H.C.
Michelangelo
Buonarroti
(Retrato de Sebastiano
del Piombo)
(1475-1564)
CXL
Vorrei voler, Signior,
quel ch’io non voglio:
Tra ’l foco e ’l cor
di iaccia un vel s’ asconde,
Che ’l foco ammorza;
onde non corrisponde
La penna all’ opre, e
fa bugiardo ’l foglio.
I’ t’ amo con la
lingua, e poi mi doglio;
Ch’ amor non giungie
al cor, nè so ben onde
Apra I’ uscio alia
grazia, che s’ infonde
Nel cor, che scacci
ogni spietato orgoglio.
Squarcia ’l vel tu,
Signior, rompi quel muro
Che con la suo
durezza ne ritarda
II sol della tuo luce
al mondo spenta.
Manda ’l preditto
lume a noi venturo
Alla tuo bella sposa,
accio ch’ io arda
E te senz’ alcun
dubbio il cor sol senta.
A Deus
Quisera, ó Deus, querer
o que não quero.
Por entre o coração
de gelo e o fogo
Um véu de sombra cai,
que esfria logo
A chama e faz meu
cântico insincero.
Senhor, te amo com a
boca, e desespero
De não sentir o amor
no peito; e rogo
Que a tua graça seja
o desafogo
Desta alma presa de
um orgulho fero.
Rasga esse véu,
Senhor! Rompe esse muro
Que com sua dureza me
retarda
O sol de tua luz, no
mundo extinta.
Manda o predito lume
do futuro
À tua bela esposa, a
fim que eu arda
E na certeza desse
amor te sinta.
Referência:
BUONARROTI,
Michelangelo. CXL / A Deus. Tradução de Ivo Barroso. In: BARROSO, Ivo
(Organização e Tradução). O torso e o gato: o melhor da poesia universal.
Prefácio de Antonio Houaiss. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em italiano: p.
46; em português: p. 47.
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