Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 30 de março de 2023

Manuel Alegre - Fernando Pessoa

O escritor e político português alude nestes versos à ampla incursão pelo universo interior, levada a efeito pelos heterônimos do poeta conterrâneo Fernando Pessoa: Pessoa, sozinho, como diz Alegre, é toda uma literatura, dada a numerosidade dos poemas que saíram de sua pena, a fértil imaginação, o verbalizar com sutileza os seus pensamentos e intuições – e até mesmo aquilo que, no revolver do olhar, se mostra contraintuitivo.

 

Essa viagem íntima, aflorando em imagens variegadas, configura uma espécie de aventura – a de “escreviver” –, em contraste às peripécias pelo oceano adentro, que séculos antes os portugueses empreenderam por um globo terrestre em parte ainda incógnito, objeto de loas imortais nos cantos da epopeia lusitana de Camões.

 

Nessa ordem de coisas, pode-se bem compreender a derradeira linha do soneto: Pessoa, o “futuro do passado”, expressão entre aspas porque arrebatada a um verso do próprio poeta.

 

J.A.R. – H.C.

 

Manuel Alegre

(n. 1936)

 

Fernando Pessoa

 

Vem ver agora o meu país que já

não tem Camões nem índias para achar

só tem Pessoa e o império que não há

sentado à mesa como em alto mar.

 

A viagem que faz é só por dentro

e escreviver-se a única aventura.

No pensamento é que lhe dá o vento

ele é sozinho uma literatura.

 

Eis a vida vidinha cega e surda

ditadura do não do só do pouco.

Ser homem (diz Pessoa) é ser-se louco.

 

Heterónimo de si na hora absurda

viajando no sentir escreve sentado.

E é Pessoa: “futuro do passado”.

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

 

Referência:

 

ALEGRE, Manuel. Fernando Pessoa. In: __________. Sonetos do obscuro quê. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 1993. p. 33.

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