Brasil dos
imigrantes, do português silabado, de grandes poetas como Bandeira, Drummond e
Melo Neto, da nova arquitetura de Brasília e de Dom Helder Câmara, grande
defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar em Pindorama –
ditadura que as hostes bolsonaristas houveram por bem negar peremptoriamente
nos últimos anos, em completo desrespeito aos torturados e mortos lá pelos idos
dos 60 a 80 do século passado.
No auge da repressão,
no ano de 1977, a poetisa portuguesa retrata nesses moldes o país, nem mesmo se
esquivando em reprovar o regime de tortura então estabelecido, ao demarcar o
final de cada estrofe deste poema, bem situado historicamente, com a anáfora:
“Mas ao Brasil que tortura / Só podemos dizer não”. Decerto: tortura nunca
mais!
J.A.R. – H.C.
Sophia de M. B. Andresen
(1919-2004)
Brasil 77
“Em vosso e meu
coração”
Manuel Bandeira
Brasil dos
Bandeirantes
E das gentes
emigradas
Em tuas terras
distantes
As palavras
portuguesas
Ficaram mais
silabadas
Como se nelas
houvesse
Desejo de ser
cantadas
Brasil espaço e
lonjura
Em nossa recordação
Mas ao Brasil que
tortura
Só podemos dizer não
Brasil de Manuel
Bandeira
Que ao franquismo
disse não
E cujo verso se
inscreve
Neste poema invocado
Em vosso e meu
coração
Brasil de Jorge de
Lima
Bruma sonho e mutação
Brasil de Murilo
Mendes
Novo mundo mas romano
E o Brasil açoriano
De Cecília a tão
secreta
Atlântida encoberta
Sob o véu dos olhos verdes
Brasil de Carlos
Drummond
Brasil do
pernambucano
João Cabral de Melo que
Deu à fala portuguesa
Novo corte e agudeza
Brasil da
arquitectura
Com nitidez de
coqueiro
Gente que fez da
ternura
Nova forma de cultura
País da transformação
Mas ao Brasil que
tortura
Só podemos dizer não
Brasil de D. Helder
Câmara
Que nos mostra e nos
ensina
A raiz de ser cristão
Brasil imensa
aventura
Em nossa imaginação
Mas ao Brasil que
tortura
Só podemos dizer não
1977
Cocos e Pássaros
(Rose Fernandes: pintora
baiana)
Referência:
ANDRESEN, Sophia de
Mello Breyner. Brasil 77. In: __________. Obra poética. Prefácio de
Maria Andresen Sousa Tavares. 1.ed. Rio de Janeiro, RJ: Tinta-da-china Brasil,
2018. p. 918-919. (Coleção ‘Grandes Escritores Portugueses’)
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