Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 5 de março de 2023

Eavan Boland - Poesia Irlandesa

Boland não vê tantos lastros clássicos na poesia irlandesa ou, se é que os apresenta, aparecem de certa forma deslocados ou em falsos arremedos: daí porque ela se prende bem mais à história e à mitologia de sua própria Irlanda natal, delas extraindo o que seja possível para conferir à sua poesia um diálogo mais franco com o cotidiano, sobretudo com o cotidiano feminino.

 

Veja, leitor, como os versos deste poema dizem bem o que a autora percebe como viável na elaboração de uma poesia que venha à tona como se “fosse música, como se fosse paz”: aqueles lugares, momentos, situações, aparições, revelações, que de improviso nos alcançam, são o mais inspirador de todos os mananciais, em cuja esteira, no mais das vezes, se lavra a excelência da lírica.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eavan Boland

(1944-2020)

 

Irish Poetry

 

for Michael Hartnett

 

We always knew there was no Orpheus in Ireland.

No music stored at the doors of hell.

No god to make it.

No wild beasts to weep and lie down to it.

 

But I remember an evening when the sky

was underworld-dark at four,

when ice had seized every part of the city

and we sat talking –

the air making a wreath for our cups of tea.

 

And you began to speak of our own gods.

Our heartbroken pantheon.

 

No Attic light for them and no Herodotus.

But thin rain and dogfish and the stopgap

of the sharp cliffs

they spent their winters on.

 

And the pitch-black Atlantic night:

how the sound

of a bird’s wing in a lost language sounded.

 

You made the noise for me.

Made it again.

Until I could see the flight of it: suddenly

the silvery lithe rivers of the southwest

lay down in silence

and the savage acres no one could predict

were all at ease, soothed and quiet and

listening to you, as I was. As if to music, as if to peace.

 

In: “Against Love Poetry” (2001)

 

Orfeu

(Caravaggio: pintor italiano)

 

Poesia Irlandesa

 

para Michael Hartnett

 

Sempre soubemos que não havia Orfeu na Irlanda.

Nenhuma música reservada às portas do inferno.

Nenhum deus para fazê-la.

Nenhuma besta selvagem a chorar e a deitar-se com ela.

 

Mas lembro-me de um entardecer em que o céu

estava negro-inferno às quatro,

quando o gelo havia tomado todas as partes da cidade

e nos sentamos a falar –

o ar criando grinaldas sobre nossas xícaras de chá.

 

E começaste a falar de nossos próprios deuses.

Nosso desconsolado panteão.

 

Nenhuma luz ática para eles, nenhum Heródoto,

senão chuva fina, seláquios e o quebra-galho

dos penhascos pontiagudos

nos quais passavam os seus invernos.

 

E a noite atlântica, negra como breu:

como o bater de asas

de um pássaro a ressoar numa linguagem perdida.

 

Fizeste o ruído para mim.

Fizeste-o novamente.

Até que pude ver seu voo: de repente,

os ágeis e prateados rios do sudoeste

recolheram-se em silêncio

e os acres selvagens, sem que ninguém pudesse prever,

estavam todos à vontade, acalmados e tranquilos e

a te escutarem, tal como eu. Como se fosse música,

como se fosse paz.

 

Em: “A Poesia Contra o Amor” (2001)

 

Referência:

 

BOLAND, Eavan. Irish poetry. In: BOLLER, Diane; SELBY, Don; YOST, Chryss (Eds.). Poetry daily: 366 poems from the world’s most popular poetry website. Rita Dove and Dana Gioia: advisory editors. Naperville, IL: Sourcebooks, 2003. p. 88.

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