Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 7 de março de 2023

A. R. Ammons - Epifania

Começando por associar a vida de um animal – no caso, uma vespa a bater no vidro da janela – a um fenômeno natural – qual seja, uma gota de chuva –, Ammons logo avança numa sucessão de perguntas sobre o efeito mitigador de uma vida reconfortada por coisas materiais, num álacre êxtase, a alguma distância de eventuais considerações de ordem racional.

 

Ao final, se pergunta o que haverá de ocorrer com as pessoas quando depararem com o “invisível”, o “irreconhecível pelos sentidos”, o “intangível”, o “incorpóreo”: “confusas”, certamente, diz o poeta, diante dessa “implacável realidade, opaca como a morte”.

 

O lado invisível do mundo parece-se então com a vidraça transparente contra a qual a vespa se debate: longe de ponderarmos sobre a nossa mortalidade, sobre a possibilidade real de nossos corpos deixarem de existir nalgum dia, imersos que estamos na febre inclemente de rotineiras ocupações – embora ainda abertos, espera-se, a uma lídima epifania por vir, cursada num domínio “sem energia e sem imagem”.

 

J.A.R. – H.C.

 

A. R. Ammons

(1926-2001)

 

Epiphany

 

Like a single drop of rain,

the wasp strikes

the windowpane; buzzes rapidly

away, disguising

 

error in urgent business:

such is the

invisible, hard as glass,

unrenderable by the senses,

 

not known until stricken by:

some talk that

there is safety in the visible,

the definite, the heard and felt,

 

pre-stressing the rational and

calling out with

joy, like people far from death:

how puzzled they will be when

 

going headlong secure in “things”

they strike the

intangible and break, lost,

unaccustomed to transparency, to

 

being without body, energy

without image:

how they will be dealt

hard realizations, opaque as death.

 

Um lugar de memórias

(Jim Warren: ilustrador norte-americano)

 

Epifania

 

Como um solitário pingo de chuva,

a vespa bate

no vidro da janela; zune rapidamente

para longe, disfarçando

 

o erro nesse negócio urgente:

assim é o

invisível, duro como vidro,

irreconhecível pelos sentidos,

 

desconhecido até que atingido:

há quem diga que

há segurança no que não se vê,

na exatidão, no que é ouvido e sentido,

 

pré-esgotando a razão e

bradando com alegria,

como as pessoas ainda longe da morte:

quão confusas elas ficarão quando

 

indo precipitadamente, protegidas por “coisas”

elas baterem contra o

intangível e se quebrarem, perdidas,

desacostumadas à transparência, a

 

ficar sem corpo, sem energia e

sem imagem:

como elas lidarão com a

implacável realidade, opaca como a morte.

 

Referência:

 

AMMONS, A. R. Epiphany / Epifania. Tradução de André Caramuru Aubert. In: Rascunho: o jornal de literatura do Brasil. Curitiba (PR), n. 250, fev. 2021. Em inglês e em português: p. 45. Disponível neste endereço. Acesso em: 5 mar. 2023.

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