Compondo o Canto I,
de “Amavisse” (1989), esta seção sobranceiramente metalinguística relembra de
certa forma o mito de Ícaro à procura de alturas, de ampla liberdade, de intérminas
paragens, numa jornada criativa que é a do próprio “Pássaro-Poesia”, essa espécie
que se congraça ao misterioso, ao incógnito, ao transcendente.
Em “fossos”, “extremos”
– “pontos de convulsão do homem” –, a bem dizer, elementos de paramentação de “paisagens-limite”,
espera a voz lírica caminhar de mãos dadas com o aludido pássaro, rumo aos horizontes
do amanhã, pelo tempo que lhe permitir o seu sopro de fecundidade, de
inventividade, de engenho imaginativo.
J.A.R. – H.C.
Hilda Hilst
(1930-2004)
Carrega-me contigo, Pássaro-Poesia
Carrega-me contigo,
Pássaro-Poesia
Quando cruzares o
Amanhã, a luz, o impossível
Porque de barro e
palha tem sido esta viagem
Que faço a sós
comigo. Isenta de traçado
Ou de complicada
geografia, sem nenhuma bagagem
Hei de levar apenas a
vertigem e a fé:
Para teu corpo de
luz, dois fardos breves.
Deixarei palavras e
cantigas. E movediças
Embaçadas vias de
Ilusão.
Não cantei
cotidianos. Só cantei a ti
Pássaro-Poesia
E a paisagem-limite:
o fosso, o extremo
A convulsão do Homem.
Carrega-me contigo.
No Amanhã.
Em: “Amavisse” (1989)
Beija-flor de bico
largo
(Amy Kirkpatrick: artista
norte-americana)
Referência:
HILST, Hilda. Carrega-me
contigo, pássaro-poesia. In: __________. Do desejo. São Paulo, SP:
Globo, 2004. p. 42.
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