Sobre a “força da
grana”, diz o compositor Caetano Veloso, em “Sampa”, que tem o poder de erguer
e destruir “coisas belas”. Na letra de “Brasil”, contudo, Cazuza enfatiza bem
mais o lado nocivo, aludindo ao poder de corrupção detido pelo dinheiro, no
mais das vezes, por trás de operações canhestras levadas a efeito por políticos
desonestos: “Não me subornaram: será que é o meu fim?”
O pedagogo e poeta
português João de Deus vai mais além: percebe o quanto as posses numerárias
podem tornar falso qualquer relacionamento humano, mesmo os de pretenso afeto;
idem, tornando corruptível o sistema de justiça, as bancas de avaliação (e até
mesmo as de concursos públicos, poder-se-ia dizer), bem assim a burocracia
estatal em suas interações com o cidadão comum.
Como arremate, um
pensamento correlato ao tema, consignado pelo filósofo francês
Michel de Montaigne (1533-1592), em seu ensaio “Dos coches” (grifo meu):
A liberalidade não se
justifica nos reis. Os particulares têm mais direito a ela, pois, a rigor, um
rei nada possui de verdadeiramente seu e deve-se por inteiro aos outros. A
administração não foi criada para o bem do administrador e sim para o do
administrado. Não se cria um superior em vista de sua própria vantagem, mas
em benefício do inferior. (MONTAIGNE, p. 230).
J.A.R. – H.C.
João de Deus
(1830-1896)
O Dinheiro
O dinheiro é tão
bonito,
tão bonito, o maganão,
tem tanta graça, o
maldito,
tem tanto chiste, o
ladrão!...
O falar, fala de um modo...
todo ele, aquele
todo...
E elas acham-no tão
guapo!
Velhinha ou moça que o
veja,
por mais esquiva que
seja,
Tlim!
Papo.
E a cegueira da
justiça
como ele a tira num
ai!
Sem pegar nem com a
pinça,
e só dizer-lhe: aí
vai...
Operação melindrosa,
que não é lá qualquer
coisa;
Catarata, tome conta!
Pois não faz mais do
que isto,
diz-me um juiz que o
tem visto:
Tlim!
Pronta.
Nessas espécies de
exames
que a gente fez em
rapaz,
são milagres aos
enxames
o que aquele demo
faz!
Sem saber nem
patavina
da gramática latina,
quer-se a gente dali
fora?
Vai ele com tais
falinhas,
tais gaifonas, tais
coisinhas...
Tlim!
Ora...
Aquela fisionomia
e lábia que o demo
tem!
Mas numa secretaria
aí é que é vê-lo bem.
Quando ele de grande
gala,
entra o ministro na
sala,
aproveita a ocasião:
– Conhece este amigo
antigo?
– Oh, meu tão antigo
amigo!
Tlim!
Pois não.
O dinheiro fala mais
alto
(Johan Andersson: pintora
sueca)
Referências:
DEUS, João de. O
dinheiro. In: ALMEIDA, Margarida Lopes de (Org.). Versos que eu digo.
Rio de Janeiro: Edições Rudá, 1937. p. 67-69.
MONTAIGNE, Michel Eyquem de. Ensaios: vol. 3. Tradução de Sérgio Milliet. Precedido de “Montaigne: o homem e a obra”, de Pierre Moreau. 2. ed. Brasília, DF: Editora da UnB; São Paulo, SP: Hucitec, 1987.
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