A busca por Deus não
no exercício do poder, mas numa perspectiva de ascensão mística, isto porque o
poder, no mais das vezes, tem o condão de levar quem o exerce a imaginar-se a
própria “divindade”: seria insensato, segundo a historieta apresentada por
Rumi, ir à procura de Deus enquanto se está sentado num trono, tanto quanto o seria
o rastreio de camelos no teto de um palácio.
A sede pelo poder
político centra o foco, em seu exercício, nas vantagens de ordem pessoal, vale
dizer, nas exterioridades atinentes à força e ao comando, conjugadas a
prerrogativas de toda ordem. Mas a evolução espiritual parece trilhar outras
sendas, contratantes até, porque pressupõe uma interiorização mais refinada,
com o fito de fazer brilhar, para todos, uma luz com atributos divinos, nesta
arcana jornada que é a vida.
J.A.R. – H.C.
Jalal ud-Din Rumi
(1207-1273)
Ibrahim’s abdication
Once that noble
Ibrahim, as he sat on his throne,
Heard a clamour and
noise of cries on the roof,
Also heavy footsteps
on the roof of his palace.
He said to himself,
“Whose heavy feet are those?”
He shouted from his
window, “Who goes there?
’Tis no man’s step;
surely ’tis a fairy.” (1)
His guards, filled
with confusion, bowed their heads,
Saying, “It is we who
are going the rounds in search.”
He said, “What seek
ye?” They said “Our camels”
He said, “Who ever
searched for camels on a housetop?”
They said, “We follow
thy example,
Who seekest union
with God while sitting on a throne.”
This was all, and no
man ever saw him again,
Just as fairies are
invisible to men.
His substance
was hid from men, though he was with them,
For what can men see
save the outward aspect and dress?
As he was removed
from the sight of friends and strangers,
His fame was noised
abroad like that of the ’Anka. (2)
For the soul of every
bird that reaches Mount Qaf (3)
Confers glory on the
whole family of birds.
O príncipe árabe
(Rudolf Ernst: pintor
austro-francês)
A abdicação de Ibrahim
Certa vez o nobre
Ibrahim, sentado em seu trono,
Ouviu clamores e
gritos estridentes no telhado,
Assim como passos
pesados no teto de seu palácio.
Disse a si mesmo: “De
quem são esses pesados pés?”
E logo gritou de sua
janela: “Quem vai lá?
Não é um passo de
homem; decerto é uma fada.”
Seus guardas,
bastante confusos, inclinaram suas cabeças,
Dizendo: “Somos nós
que estamos em ronda numa busca.”
Ao que ele indagou:
“O que buscais?” Disseram eles:
“Nossos camelos.”
“E quem já terá procurado
camelos no teto de uma casa?”,
replicou.
Os guardas
redarguiram: “Seguimos o teu exemplo,
Que buscas a união
com Deus, sentado em teu trono.”
Isso foi tudo, e
nenhum homem jamais o viu de novo,
Como invisíveis são
as fadas aos homens.
Sua essência
manteve-se oculta aos homens, ainda que com
eles estivesse,
Pois o que os homens
podem ver além do aspecto exterior
e do vestuário?
Como se distanciara
da vista de amigos e de estranhos,
Sua fama se fez corrente
no estrangeiro como a de Anka.
Pois a alma de cada
pássaro que chega ao Monte Qaf
Confere glória a toda
a família de pássaros.
Notas:
(1). Fairy: A
referência, no original em persa, diz respeito a uma espécie de fada
encantadora da religião mazdaica (pairika) – e do folclore iraniano;
(2). Anka: A fênix
árabe, mencionada pelo profeta num hádice; posteriormente assimilada pelos
iranianos como Simurgue;
(3). Qaf: Montanha
mítica da cosmogonia iraniana nos confins do mundo, na realidade, situada na Cordilheira
Elburz, ao norte do país, às proximidades do Mar Cáspio.
Referência:
RÚMÍ, Maulána Jalálu-’d-Dín Muhammad I. Ibrahim’s abdication. In: __________. The Masnavi: teachings of Rumi. 1st ed. Translated and abridged from Persian by E. H. Whinfield. Book Four. New York, NY: E. P. Dutton, 1975. p. 182-183.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário