O poeta venezuelano
sintetiza em versos próprios o que se passa no primeiro ato da peça “Hamlet”,
de Shakespeare, em meio aos anúncios dos divulgadores do evento: noites
friorentas na Dinamarca, a ronda dos soldados, um rei morto e a sua capa – agora
sem corpo a abrigar –, e o correspondente espectro a tornar tudo mais sinistro.
Montejo se reporta à
atmosfera tensa e aterradora do começo da peça, sob a qual ocorre o diálogo irrequieto
dos guardas, em concorrência com os sibilinos elementos de comicidade do
episódio envolvendo os coveiros, tudo isso a convergir, harmoniosamente, com os
fios condutores trágicos do relato, pois que, indiscutivelmente, a morte é a
seta que traspassa toda a trama.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montejo
(1938-2008)
Hamlet Acto Primero
Mira la sala: no es
el cortinado
lo que tiembla. Ni la
sombra de Hamlet.
Tal vez, tal vez la
capa de su padre.
Todas las noches son
de Dinamarca.
Los soldados se
turnan en la ronda
y lían sus cigarros.
Vuelve tan crudo allí
el invierno
que desdibuja en
bultos blancos
la tenue imagen del
televisor.
Pero la noche tiembla
y las túmidas narices
del caballo
nos olfatean bajo la
nieve...
¿Qué país no ha
escondido algún rey muerto?
Pasan las propagandas
y retornan los pasos
del espectro.
Es él, es él, es su
fantasma
y la venganza de esa
capa sola
estremece los clavos
del perchero.
El locutor anuncia outra
nevada
para mañana, pero
roja, siniestra.
Todas las noches son
de Dinamarca.
En: “Muerte y
Memoria” (1972)
Hamlet e os coveiros
(Pascal
Dagnan-Bouveret: pintor francês)
Hamlet Ato Primeiro
Olhe para a sala: não
é o cortinado
o que tremula. Nem a
sombra de Hamlet.
Talvez, talvez a capa
de seu pai.
Todas as noites são
de Dinamarca.
Os soldados se
revezam na ronda
e enrolam os seus
charutos.
Volta o inverno por
lá, tão rigoroso
que desfoca em vultos
brancos
a imagem esvaecida do
televisor.
Mas a noite estremece
e as túmidas narinas
do cavalo
nos farejam debaixo
da neve...
Que país deixou de
esconder algum rei morto?
Passam os anúncios
e retornam os passos
do espectro.
É ele, é ele, é seu
fantasma
e a vingança dessa
capa sozinha
sacode as presilhas
do cabide.
O locutor anuncia
outra nevasca
para amanhã, mas
vermelha, sinistra.
Todas as noites são
de Dinamarca.
Em: “Morte e Memória”
(1972)
Referência:
MONTEJO, Eugenio.
Hamlet acto primero. In: __________. Alfabeto del mundo: antología
poética. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1988. p. 54. (Colección
‘Tierra Firme’)
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