Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 29 de março de 2023

Eugenio Montejo - Hamlet Ato Primeiro

O poeta venezuelano sintetiza em versos próprios o que se passa no primeiro ato da peça “Hamlet”, de Shakespeare, em meio aos anúncios dos divulgadores do evento: noites friorentas na Dinamarca, a ronda dos soldados, um rei morto e a sua capa – agora sem corpo a abrigar –, e o correspondente espectro a tornar tudo mais sinistro.

 

Montejo se reporta à atmosfera tensa e aterradora do começo da peça, sob a qual ocorre o diálogo irrequieto dos guardas, em concorrência com os sibilinos elementos de comicidade do episódio envolvendo os coveiros, tudo isso a convergir, harmoniosamente, com os fios condutores trágicos do relato, pois que, indiscutivelmente, a morte é a seta que traspassa toda a trama.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eugenio Montejo

(1938-2008)

 

Hamlet Acto Primero

 

Mira la sala: no es el cortinado

lo que tiembla. Ni la sombra de Hamlet.

Tal vez, tal vez la capa de su padre.

Todas las noches son de Dinamarca.

 

Los soldados se turnan en la ronda

y lían sus cigarros.

Vuelve tan crudo allí el invierno

que desdibuja en bultos blancos

la tenue imagen del televisor.

Pero la noche tiembla

y las túmidas narices del caballo

nos olfatean bajo la nieve...

 

¿Qué país no ha escondido algún rey muerto?

Pasan las propagandas

y retornan los pasos del espectro.

 

Es él, es él, es su fantasma

y la venganza de esa capa sola

estremece los clavos del perchero.

El locutor anuncia outra nevada

para mañana, pero roja, siniestra.

Todas las noches son de Dinamarca.

 

En: “Muerte y Memoria” (1972)

 

Hamlet e os coveiros

(Pascal Dagnan-Bouveret: pintor francês)

 

Hamlet Ato Primeiro

 

Olhe para a sala: não é o cortinado

o que tremula. Nem a sombra de Hamlet.

Talvez, talvez a capa de seu pai.

Todas as noites são de Dinamarca.

 

Os soldados se revezam na ronda

e enrolam os seus charutos.

Volta o inverno por lá, tão rigoroso

que desfoca em vultos brancos

a imagem esvaecida do televisor.

Mas a noite estremece

e as túmidas narinas do cavalo

nos farejam debaixo da neve...

 

Que país deixou de esconder algum rei morto?

Passam os anúncios

e retornam os passos do espectro.

 

É ele, é ele, é seu fantasma

e a vingança dessa capa sozinha

sacode as presilhas do cabide.

O locutor anuncia outra nevasca

para amanhã, mas vermelha, sinistra.

Todas as noites são de Dinamarca.

 

Em: “Morte e Memória” (1972)

 

Referência:

 

MONTEJO, Eugenio. Hamlet acto primero. In: __________. Alfabeto del mundo: antología poética. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1988. p. 54. (Colección ‘Tierra Firme’)

Nenhum comentário:

Postar um comentário