Nesta homenagem de
Andrade ao mestre e ensaísta português Eduardo Lourenço (1923-2020), quando
este já contava sessenta anos, relembram-se os momentos em que ambos embeveciam-se pela poesia
de “Hölderlin, Keats, Pessanha e Pessoa”, enquanto tudo à volta recendia à “caserna”
e à “sacristia”, clara alusão ao poder exercido pelas
instituições militares e religiosas.
Nunca é demais lembrar
que Andrade reporta-se, certamente, a um tempo em que o regime salazarista
ainda imperava em Portugal (1932-1974), tendo sido derrubado pela “Revolução
dos Cravos”, que por lá eclodiu em meados de abril/1974, restabelecendo as
denominadas liberdades democráticas.
J.A.R. – H.C.
Eugénio de Andrade
(1923-2005)
Ao Eduardo Lourenço,
na Flor da sua Idade
Era bonita mas tão
provinciana
a cidade. Dos seus
muros pasmados
a luz fina caía
preguiçosa
nas areias do rio.
Mas o resto
era vulgaridade e
sonolência.
Só as árvores não
eram vulgares:
de tão formosas
tornavam o céu
de cristal, como se o
verão fora
imortal entre
plátanos e choupos.
Ali nos encontrámos
certo dia,
éramos jovens e mais
jovem que nós
era a poesia que nos
acompanhava.
Hölderlin, Keats,
Pessanha e o Pessoa
eram então – e não o serão ainda? –
os nossos amigos. O
mais, gente ideias
costumes, tudo tinha
o mesmo cheiro
de caserna aliada a
sacristia.
Dessa cidade em nós
nada ficou.
De nós, que ficará
nessa cidade?
21-10-83
Álamos dourados
(Graham Gercken:
artista australiano)
Referência:
ANDRADE, Eugénio. Ao
Eduardo Lourenço, na flor da sua idade. 1. ed. In: ________. Poesia.
Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 2017. p. 268-269.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário