Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 15 de março de 2023

Eugénio de Andrade - Ao Eduardo Lourenço, na Flor da sua Idade

Nesta homenagem de Andrade ao mestre e ensaísta português Eduardo Lourenço (1923-2020), quando este já contava sessenta anos, relembram-se os momentos em que ambos embeveciam-se pela poesia de “Hölderlin, Keats, Pessanha e Pessoa”, enquanto tudo à volta recendia à “caserna” e à “sacristia”, clara alusão ao poder exercido pelas instituições militares e religiosas.

 

Nunca é demais lembrar que Andrade reporta-se, certamente, a um tempo em que o regime salazarista ainda imperava em Portugal (1932-1974), tendo sido derrubado pela “Revolução dos Cravos”, que por lá eclodiu em meados de abril/1974, restabelecendo as denominadas liberdades democráticas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eugénio de Andrade

(1923-2005)

 

Ao Eduardo Lourenço, na Flor da sua Idade

 

Era bonita mas tão provinciana

a cidade. Dos seus muros pasmados

a luz fina caía preguiçosa

nas areias do rio. Mas o resto

era vulgaridade e sonolência.

Só as árvores não eram vulgares:

de tão formosas tornavam o céu

de cristal, como se o verão fora

imortal entre plátanos e choupos.

Ali nos encontrámos certo dia,

éramos jovens e mais jovem que nós

era a poesia que nos acompanhava.

Hölderlin, Keats, Pessanha e o Pessoa

eram então  e não o serão ainda? 

os nossos amigos. O mais, gente ideias

costumes, tudo tinha o mesmo cheiro

de caserna aliada a sacristia.

Dessa cidade em nós nada ficou.

De nós, que ficará nessa cidade?

 

21-10-83

 

Álamos dourados

(Graham Gercken: artista australiano)

 

Referência:

 

ANDRADE, Eugénio. Ao Eduardo Lourenço, na flor da sua idade. 1. ed. In: ________. Poesia. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 2017. p. 268-269.

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