A felicidade é uma
eterna interrogação, razão pela qual é tema frequente de ensaios e pesquisas de
âmbito científico. Mas por que a poesia não haveria de abordá-la, ela que, por
si mesma, também é uma forma de experimentá-la?!: aqui, a poetisa explora algumas
situações nas quais, mesmo diante de contratempos, a felicidade ousa chegar
àqueles que as vivenciam.
Isto porque a
felicidade se processa na mente, e mesmo em condições que, para alguns, possam
revelar adversidades, reveses ou enfado, para outros, comportam um filão de
ventura e de luz. E ainda: podem-se presumir estados felizes nos animais, como gatos
e cães, nossos companheiros de longa data. Mas Kenyon vai mais à frente,
presumindo-os também em paisagens naturais e mesmo na vida inorgânica, hipótese
que nos parece uma cogitação com lastros antropomórficos.
J.A.R. – H.C.
Jane Kenyon
(1947-1995)
Happiness
There’s just no
accounting for happiness,
or the way it turns
up like a prodigal
who comes back to the
dust at your feet
having squandered a
fortune far away.
And how can you not
forgive?
You make a feast in
honor of what
was lost, and take
from its place the finest
garment, which you
saved for an occasion
you could not
imagine, and you weep night and day
to know that you were
not abandoned,
that happiness saved
its most extreme form
for you alone.
No, happiness is the
uncle you never
knew about, who flies
a single-engine plane
onto the grassy
landing strip, hitchhikes
into town, and
inquires at every door
until he finds you asleep
midafternoon
as you so often are
during the unmerciful
hours of your
despair.
It comes to the monk
in his cell.
It comes to the woman
sweeping the street
with a birch broom,
to the child
whose mother has
passed out from drink.
It comes to the
lover, to the dog chewing
a sock, to the
pusher, to the basket maker,
and to the clerk
stacking cans of carrots
in the night.
It even comes to the
boulder
in the perpetual
shade of pine barrens,
to rain falling on
the open sea,
to the wineglass,
weary of holding wine.
In: “Otherwise: New
& Selected Poems” (1996)
O pólen da felicidade
(Nadiia Antoniuk:
artista ucraniana)
Felicidade
Não há nada que possa explicar a
felicidade,
nem a forma como ela aparece feito um
pródigo
que regressa ao pó aos teus pés,
depois de haver dilapidado uma fortuna
no estrangeiro.
E como não o vais perdoar?
Fazes um banquete em honra ao que
se havia perdido, e tiras do seu lugar
a mais fina
peça do vestuário, que guardaste para
uma ocasião
que não poderias imaginar, e choras
noite e dia
por saberes que não foste abandonado,
que a felicidade preservou a sua forma
mais extrema
somente para ti.
Não, a felicidade é o tio que nunca
conheceste, que pilota um avião
monomotor
na pista gramada de aterrisagem, pega
carona
até a cidade e interpela em cada porta
até te encontrar dormindo no meio da
tarte,
como costumas fazer durante as
impiedosas
horas do teu desespero.
Ela chega ao monge em
sua cela.
À mulher que varre a
rua
com uma vassoura de
bétula, à criança
cuja mãe desmaiou de
tanto beber.
Ela chega ao amante,
ao cão que mastiga
uma meia, ao empurrador,
ao fabricante de cestos,
e ao balconista que
empilha latas de cenouras
durante a noite.
Chega mesmo ao
rochedo
na sombra perpétua de
abrolhosos pinheirais,
à chuva que cai sobre
o mar aberto,
à taça com vinho,
cansada de o suster.
In: “De outro modo:
Poemas Novos e Selecionados” (1996)
Referência:
KENYON, Jane.
Happiness. In: BOLLER, Diane; SELBY, Don; YOST, Chryss (Eds.). Poetry daily:
366 poems from the world’s most popular poetry website. Rita Dove and Dana
Gioia: advisory editors. Naperville, IL: Sourcebooks, 2003. p. 63.
❁
https://sintrabloguecintia.blogspot.com/
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