Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 2 de março de 2023

Jane Kenyon - Felicidade

A felicidade é uma eterna interrogação, razão pela qual é tema frequente de ensaios e pesquisas de âmbito científico. Mas por que a poesia não haveria de abordá-la, ela que, por si mesma, também é uma forma de experimentá-la?!: aqui, a poetisa explora algumas situações nas quais, mesmo diante de contratempos, a felicidade ousa chegar àqueles que as vivenciam.

 

Isto porque a felicidade se processa na mente, e mesmo em condições que, para alguns, possam revelar adversidades, reveses ou enfado, para outros, comportam um filão de ventura e de luz. E ainda: podem-se presumir estados felizes nos animais, como gatos e cães, nossos companheiros de longa data. Mas Kenyon vai mais à frente, presumindo-os também em paisagens naturais e mesmo na vida inorgânica, hipótese que nos parece uma cogitação com lastros antropomórficos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jane Kenyon

(1947-1995)

 

Happiness

 

There’s just no accounting for happiness,

or the way it turns up like a prodigal

who comes back to the dust at your feet

having squandered a fortune far away.

 

And how can you not forgive?

You make a feast in honor of what

was lost, and take from its place the finest

garment, which you saved for an occasion

you could not imagine, and you weep night and day

to know that you were not abandoned,

that happiness saved its most extreme form

for you alone.

 

No, happiness is the uncle you never

knew about, who flies a single-engine plane

onto the grassy landing strip, hitchhikes

into town, and inquires at every door

until he finds you asleep midafternoon

as you so often are during the unmerciful

hours of your despair.

 

It comes to the monk in his cell.

It comes to the woman sweeping the street

with a birch broom, to the child

whose mother has passed out from drink.

It comes to the lover, to the dog chewing

a sock, to the pusher, to the basket maker,

and to the clerk stacking cans of carrots

in the night.

It even comes to the boulder

in the perpetual shade of pine barrens,

to rain falling on the open sea,

to the wineglass, weary of holding wine.

 

In: “Otherwise: New & Selected Poems” (1996)

 

O pólen da felicidade

(Nadiia Antoniuk: artista ucraniana)

 

Felicidade

 

Não há nada que possa explicar a felicidade,

nem a forma como ela aparece feito um pródigo

que regressa ao pó aos teus pés,

depois de haver dilapidado uma fortuna no estrangeiro.

 

E como não o vais perdoar?

Fazes um banquete em honra ao que

se havia perdido, e tiras do seu lugar a mais fina

peça do vestuário, que guardaste para uma ocasião

que não poderias imaginar, e choras noite e dia

por saberes que não foste abandonado,

que a felicidade preservou a sua forma mais extrema

somente para ti.

 

Não, a felicidade é o tio que nunca

conheceste, que pilota um avião monomotor

na pista gramada de aterrisagem, pega carona

até a cidade e interpela em cada porta

até te encontrar dormindo no meio da tarte,

como costumas fazer durante as impiedosas

horas do teu desespero.

 

Ela chega ao monge em sua cela.

À mulher que varre a rua

com uma vassoura de bétula, à criança

cuja mãe desmaiou de tanto beber.

Ela chega ao amante, ao cão que mastiga

uma meia, ao empurrador, ao fabricante de cestos,

e ao balconista que empilha latas de cenouras

durante a noite.

Chega mesmo ao rochedo

na sombra perpétua de abrolhosos pinheirais,

à chuva que cai sobre o mar aberto,

à taça com vinho, cansada de o suster.

 

In: “De outro modo: Poemas Novos e Selecionados” (1996)

 

Referência:

 

KENYON, Jane. Happiness. In: BOLLER, Diane; SELBY, Don; YOST, Chryss (Eds.). Poetry daily: 366 poems from the world’s most popular poetry website. Rita Dove and Dana Gioia: advisory editors. Naperville, IL: Sourcebooks, 2003. p. 63.

Um comentário: