Nada melhor do que
uma postagem sobre o labor poético, nesta data em que se comemora o “Dia
Mundial da Poesia”: o poeta-falante “cava” em sua lavra de palavras, tal como o
pai e o avô costumavam fazer no terreno da presumível herdade, onde, noutros
tempos, experimentaram bucólicos momentos – este, em busca da “boa turfa”;
aquele, no cultivo de batatas.
Mostra-se evidente a
mudança de padrão de vida entre gerações, dos ascendentes agricultores ao poeta
lutando agora com outras ferramentas: não uma pá ou uma enxada, mas uma caneta
para assentar em fundo branco as ideias que lhe vêm à mente; não a turfa como
elemento combustível para aquecer o ambiente, ou batatas como provisão
alimentar, senão a mais acurada inspiração para gravar em sentenças a beleza em
que imersa a poesia.
J.A.R. – H.C.
Seamus Heaney
(1939-2013)
Digging
Between my finger and
my thumb
The squat pen rests;
snug as a gun.
Under my window, a
clean rasping sound
When the spade sinks
into gravelly ground:
My father, digging. I
look down
Till his straining
rump among the flowerbeds
Bends low, comes up twenty
years away
Stooping in rhythm
through potato drills
Where he was digging.
The coarse boot
nestled on the lug, the shaft
Against the inside
knee was levered firmly.
He rooted out tall
tops, buried the bright edge deep
To scatter new
potatoes that we picked,
Loving their cool
hardness in our hands.
By God, the old man
could handle a spade.
Just like his old
man.
My grandfather cut
more turf in a day
Than any other man on
Toner’s bog.
Once I carried him
milk in a bottle
Corked sloppily with
paper. He straightened up
To drink it, then
fell to right away
Nicking and slicing
neatly, heaving sods
Over his shoulder,
going down and down
For the good turf.
Digging.
The cold smell of
potato mould, the squelch and slap
Of soggy peat, the
curt cuts of an edge
Through living roots
awaken in my head.
But I’ve no spade to
follow men like them.
Between my finger and
my thumb
The squat pen rests.
I’ll dig with it.
Um homem escavando
batatas
(Thomas Frederick M.
Sheard: pintor inglês)
Cavando
Entre os meus
indicador e polegar
Assenta-se a rombuda
caneta; disposta como uma arma.
Sob a minha janela,
um perceptível som de raspagem,
Quando a pá afunda no
solo cascalhoso:
Meu pai, cavando. Observo-o
do alto,
Até que suas ancas
retesadas, entre os canteiros,
Encurvam-se, há vinte
anos nessa incessante lida,
Vergando-se
ritmadamente ao longo dos sulcos de batatas
Que ele se pôs a cavar.
A rústica bota assente
sobre a espádua da pá, a haste
Firmemente alavancada
contra a região interna do joelho.
Ele extirpava os
talos altos, fincava fundo a lâmina radiante
Para espalhar as
novas batatas que havíamos colhido,
Cuja fresca rijeza se
podia estimar em nossas mãos.
Por Deus, o velho
sabia lidar com uma pá.
Tal como o seu pai.
Meu avô cortava mais
turfa em um dia
Do que qualquer homem
no pântano de Toner.
Uma vez levei-lhe
leite numa garrafa
Rolhada de forma
descuidada com papel. Ele aprumou-se
Para o beber, e logo
se pôs
A cortar e a segmentar
cuidadosamente, alçando torrões
Sobre o ombro, dirigindo-se
mais e mais para baixo,
Em busca da boa
turfa. Cavando.
O cheiro frio do
bolor da batata, o amolgar e o golpear
Da turfa encharcada, os
bruscos cortes de uma lâmina
Através das raízes
vivas despertam em minha cabeça.
Mas não tenho pá para
me aliar a homens como eles.
Entre os meus
indicador e polegar
Assenta-se a rombuda
caneta.
Vou cavar com ela.
Referência:
HEANEY, Seamus.
Digging. In: __________. 100 poems. 1st ed. New York, NY: Farrar, Straus
and Giroux, 2019. p. 3-4.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário