Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 21 de março de 2023

Seamus Heaney - Cavando

Nada melhor do que uma postagem sobre o labor poético, nesta data em que se comemora o “Dia Mundial da Poesia”: o poeta-falante “cava” em sua lavra de palavras, tal como o pai e o avô costumavam fazer no terreno da presumível herdade, onde, noutros tempos, experimentaram bucólicos momentos – este, em busca da “boa turfa”; aquele, no cultivo de batatas.

 

Mostra-se evidente a mudança de padrão de vida entre gerações, dos ascendentes agricultores ao poeta lutando agora com outras ferramentas: não uma pá ou uma enxada, mas uma caneta para assentar em fundo branco as ideias que lhe vêm à mente; não a turfa como elemento combustível para aquecer o ambiente, ou batatas como provisão alimentar, senão a mais acurada inspiração para gravar em sentenças a beleza em que imersa a poesia.

 

J.A.R. – H.C.

 

Seamus Heaney

(1939-2013)

 

Digging

 

Between my finger and my thumb

The squat pen rests; snug as a gun.

 

Under my window, a clean rasping sound

When the spade sinks into gravelly ground:

My father, digging. I look down

 

Till his straining rump among the flowerbeds

Bends low, comes up twenty years away

Stooping in rhythm through potato drills

Where he was digging.

 

The coarse boot nestled on the lug, the shaft

Against the inside knee was levered firmly.

He rooted out tall tops, buried the bright edge deep

To scatter new potatoes that we picked,

Loving their cool hardness in our hands.

 

By God, the old man could handle a spade.

Just like his old man.

 

My grandfather cut more turf in a day

Than any other man on Toner’s bog.

Once I carried him milk in a bottle

Corked sloppily with paper. He straightened up

To drink it, then fell to right away

Nicking and slicing neatly, heaving sods

Over his shoulder, going down and down

For the good turf. Digging.

 

The cold smell of potato mould, the squelch and slap

Of soggy peat, the curt cuts of an edge

Through living roots awaken in my head.

But I’ve no spade to follow men like them.

 

Between my finger and my thumb

The squat pen rests.

I’ll dig with it.

 

Um homem escavando batatas

(Thomas Frederick M. Sheard: pintor inglês)

 

Cavando

 

Entre os meus indicador e polegar

Assenta-se a rombuda caneta; disposta como uma arma.

 

Sob a minha janela, um perceptível som de raspagem,

Quando a pá afunda no solo cascalhoso:

Meu pai, cavando. Observo-o do alto,

 

Até que suas ancas retesadas, entre os canteiros,

Encurvam-se, há vinte anos nessa incessante lida,

Vergando-se ritmadamente ao longo dos sulcos de batatas

Que ele se pôs a cavar.

 

A rústica bota assente sobre a espádua da pá, a haste

Firmemente alavancada contra a região interna do joelho.

Ele extirpava os talos altos, fincava fundo a lâmina radiante

Para espalhar as novas batatas que havíamos colhido,

Cuja fresca rijeza se podia estimar em nossas mãos.

 

Por Deus, o velho sabia lidar com uma pá.

Tal como o seu pai.

 

Meu avô cortava mais turfa em um dia

Do que qualquer homem no pântano de Toner.

Uma vez levei-lhe leite numa garrafa

Rolhada de forma descuidada com papel. Ele aprumou-se

Para o beber, e logo se pôs

A cortar e a segmentar cuidadosamente, alçando torrões

Sobre o ombro, dirigindo-se mais e mais para baixo,

Em busca da boa turfa. Cavando.

 

O cheiro frio do bolor da batata, o amolgar e o golpear

Da turfa encharcada, os bruscos cortes de uma lâmina

Através das raízes vivas despertam em minha cabeça.

Mas não tenho pá para me aliar a homens como eles.

 

Entre os meus indicador e polegar

Assenta-se a rombuda caneta.

Vou cavar com ela.

 

Referência:

 

HEANEY, Seamus. Digging. In: __________. 100 poems. 1st ed. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 2019. p. 3-4.

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