O poeta explora o
efeito que a perda e a separação têm sobre nós, tanto a desconcertante dor de
início, quanto aquelas repercussões de curso mais duradouro: quando os sons do cotidiano
deixam de existir, é porque a porta se fechou de vez com um rangido,
sobrevindo, então, um silêncio opressivo, um “choque de água gelada”, seguido
por um estado de dormência.
Mais que a metafórica
perda sensorial auditiva, o ente lírico expressa o quase “sem-sentido” de uma natureza
a “verbalizar” com prodigalidade a sua linguagem – a dos cavalos, pássaros, ondas,
cascatas –, porquanto, desde um certo dia – não um dia qualquer! –, cerrada a
alma num sufocante enxame de emoções, o código que passou a contrapô-la deixou-se
impregnar por uma impactante letargia.
J.A.R. – H.C.
Norman MacCaig
(1910-1996)
Sounds of the Day
When a clatter came,
it was horses
crossing the ford.
When the air creaked,
it was
a lapwing seeing us
off the premises
of its private marsh.
A snuffling puff
ten yards from the
boat was the tide blocking and
unblocking a hole in
a rock.
When the black drums
rolled, it was water
falling sixty feet
into itself.
When the door
scraped shut, it was
the end
of all the sounds
there are.
You left me
beside the quietest
fire in the world.
I thought I was hurt
in my pride only,
forgetting that,
when you plunge your
hand in freezing water,
you feel
a bangle of ice round
your wrist
before the whole hand
goes numb.
Ondas batendo nas
rochas
(Althea Dianne Nutt: pintora
norte-americana)
Sons do Dia
Quando se ouviu um
tropel,
eram cavalos
atravessando o vau.
Quando o ar se pôs a
crepitar, era
um abibe nos vendo
fora do recinto
de seu pântano
particular. Um sopro a chirriar
a dez jardas do barco
era a maré tapando
e destapando uma fenda
numa rocha.
Quando os tambores
negros rolaram, era a água
a sessenta pés caindo
sobre si mesma.
Quando a porta
se fechou com um
rangido, foi o fim
de todos os sons existentes.
Deixaste-me
junto ao fogo mais
silencioso do mundo.
Pensei que apenas
estava ferido em meu orgulho,
esquecendo que,
quando se imerge a
mão na água gelada,
logo se sente
um bracelete de gelo
ao redor do pulso,
antes que toda a mão
fique dormente.
Referência:
MACCAIG, Norman.
Sounds of the day. The well rising. In: HEANEY, Seamus; HUGHES, Ted (Eds.).
The rattle bag. 1st publ. London, EN: Faber and Faber, 1982. p. 404.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário