Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 28 de março de 2023

Pablo Neruda - A minhas obrigações

A título de prólogo a “Navegações e Regressos” (1959), Neruda tece versos sobre as suas obrigações quotidianas, a principal das quais escrever poemas capazes de “manifestar a primavera” – lida que resultou, em última instância, num prodigioso e esplêndido acervo, merecidamente agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1971.

 

O ofício torna-se um refúgio para o poeta chileno, uma forma de convolar infortúnios em esperanças, um engenho promotor de mudanças, uma dádiva oferecida com afeto ao seu público-alvo. Quase se poderia depreender um jogo de imersão catártica, de transmutação de sentimentos, de afirmação de um estado encorajante, em substituição a outro carregado de exasperações.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

A mis obligaciones

 

Cumpliendo con mi oficio

piedra con piedra, pluma a pluma,

pasa el invierno y deja

sitios abandonados,

habitaciones muertas:

yo trabajo y trabajo,

debo substituir

tantos olvidos,

llenar de pan las tinieblas,

fundar otra vez la esperanza.

 

No es para mí sino el polvo,

la lluvia cruel de la estación,

no me reservo nada

sino todo el espacio

y allí trabajar, trabajar,

manifestar la primavera.

 

A todos tengo que dar algo

cada semana y cada día,

un regalo de color azul,

un pétalo frío del bosque,

y ya de mañana estoy vivo

mientras los otros se sumergen

en la pereza, en el amor,

yo estoy limpiando mi campana,

mi corazón, mis herramientas.

 

Tengo rocío para todos.

 

O Escritor

(Dan Beck: pintor norte-americano)

 

A minhas obrigações

 

Cumprindo o meu ofício

pedra com pedra, pena a pena,

passa o inverno e deixa

lugares abandonados,

moradas mortas:

eu trabalho e trabalho,

tenho de substituir

tantos esquecimentos,

encher de pão as trevas,

fundar outra vez a esperança.

 

Para mim nada mais que pó,

a chuva cruel da estação,

não me poupo nada

além do espaço todo

e aí trabalhar, trabalhar,

manifestar a primavera.

 

A todos tenho que dar algo

a cada semana e cada dia,

um presente de cor azul,

uma pétala fria do bosque,

e então de manhã estou vivo

enquanto os outros mergulham

na preguiça, no amor,

eu estou limpando minha redoma,

meu coração, minhas ferramentas.

 

Tenho orvalho para todos.

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

NERUDA, Pablo. A mis obligaciones. In: __________. Fifty odes. Translated from Spanish by George Schade. Austin, TX: Host Publications, 1996. p. 16.

 

Em Português

 

NERUDA, Pablo. A minhas obrigações. Tradução de José Rubens Siqueira. In: __________. Navegações e regressos. Tradução de José Rubens Siqueira. 1. ed. São Paulo, SP: MEDIAfashion, 2012. p. 5-6. (Coleção Folha ‘Literatura Íbero-americana’; v. 9)

Um comentário:

  1. Você sabia que Pablo Neruda ignorou uma filha doente?
    https://speglich.blogspot.com/2018/05/pablo-neruda-historia-cruel-da-filha.html

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