A título de prólogo a
“Navegações e Regressos” (1959), Neruda tece versos sobre as suas obrigações quotidianas,
a principal das quais escrever poemas capazes de “manifestar a primavera” – lida
que resultou, em última instância, num prodigioso e esplêndido acervo, merecidamente
agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1971.
O ofício torna-se um
refúgio para o poeta chileno, uma forma de convolar infortúnios em esperanças, um
engenho promotor de mudanças, uma dádiva oferecida com afeto ao seu público-alvo.
Quase se poderia depreender um jogo de imersão catártica, de transmutação de
sentimentos, de afirmação de um estado encorajante, em substituição a outro carregado
de exasperações.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
A mis obligaciones
Cumpliendo con mi
oficio
piedra con piedra,
pluma a pluma,
pasa el invierno y
deja
sitios abandonados,
habitaciones muertas:
yo trabajo y trabajo,
debo substituir
tantos olvidos,
llenar de pan las
tinieblas,
fundar otra vez la
esperanza.
No es para mí sino el
polvo,
la lluvia cruel de la
estación,
no me reservo nada
sino todo el espacio
y allí trabajar,
trabajar,
manifestar la
primavera.
A todos tengo que dar
algo
cada semana y cada
día,
un regalo de color
azul,
un pétalo frío del
bosque,
y ya de mañana estoy
vivo
mientras los otros se
sumergen
en la pereza, en el
amor,
yo estoy limpiando mi
campana,
mi corazón, mis
herramientas.
Tengo rocío para
todos.
O Escritor
(Dan Beck: pintor
norte-americano)
A minhas obrigações
Cumprindo o meu
ofício
pedra com pedra, pena
a pena,
passa o inverno e
deixa
lugares abandonados,
moradas mortas:
eu trabalho e
trabalho,
tenho de substituir
tantos esquecimentos,
encher de pão as
trevas,
fundar outra vez a
esperança.
Para mim nada mais
que pó,
a chuva cruel da
estação,
não me poupo nada
além do espaço todo
e aí trabalhar,
trabalhar,
manifestar a
primavera.
A todos tenho que dar
algo
a cada semana e cada
dia,
um presente de cor
azul,
uma pétala fria do
bosque,
e então de manhã
estou vivo
enquanto os outros
mergulham
na preguiça, no amor,
eu estou limpando
minha redoma,
meu coração, minhas
ferramentas.
Tenho orvalho para
todos.
Referências:
Em Espanhol
NERUDA, Pablo. A mis obligaciones. In: __________. Fifty odes. Translated
from Spanish by George Schade. Austin, TX: Host Publications, 1996. p. 16.
Em Português
NERUDA, Pablo. A minhas obrigações. Tradução de José Rubens Siqueira. In: __________. Navegações e regressos. Tradução de José Rubens Siqueira. 1. ed. São Paulo, SP: MEDIAfashion, 2012. p. 5-6. (Coleção Folha ‘Literatura Íbero-americana’; v. 9)
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Você sabia que Pablo Neruda ignorou uma filha doente?
ResponderExcluirhttps://speglich.blogspot.com/2018/05/pablo-neruda-historia-cruel-da-filha.html