O poeta australiano
retrata em metáforas aquilo em que se transformou o seu torrão natal – um país
de imigrantes que enfrentaram e povoaram, a duros golpes da sorte, o amplo território
ainda virgem e tantas vezes inclemente, para ali concretizar os seus mais acalentados
ideais –, deplorando a forma como, hoje, as pessoas que nele vivem mais se
pareçam a estrangeiros devotados a atrativos alienígenas.
Na sucessão de
tercetos, logo aparece uma cena que retrata a situação que seria a ideal para o
falante, de uma Austrália redimida às suas raízes primeiras, de contato franco
com a natureza circundante, cônscia de um passado que muito se prende aos seus
costumes bucólicos, algo resguardada aos olhares alheios – intrusivos e
calculistas.
Permita-me, leitor,
um adendo que, embora se relacione à Austrália enquanto tema, não diz respeito
diretamente ao poema em questão: reporto-me à obra “Voss” (1957), do Nobel, de
cidadania australiana, Patrick White (1912-1990).
Nela, White relata, numa
narrativa épica e psicológica, a história de Voss, um alemão que, em meados do
século XIX, propõe-se a cruzar o continente australiano, numa jornada que lhe
renderá tribulações, motins e traições, jornada essa da qual jamais retornará.
Vale dizer que os
retratos pincelados pelo escritor ao longo de suas páginas remontam ao mesmo
naturalismo, enquanto ‘modus vivendi’, que se depreende dos versos de Catalano,
sendo talvez esse o lastro comum que me rendeu a associação entre os sopros criativos de ambos os autores.
J.A.R. – H.C.
Gary Catalano
(1947-2002)
Australia
I breathe the air of
another country
when I walk among
these people.
How terrible it is!
Generations have yearned
for the new life
and it comes to this!
What will hold them
upright
when their dreams are
repossessed
and sold again at a
discount?
But give me the smell
of used nails
rusting in tins, and
the dreams
that were swaddled in
hessian.
I want the scene
before it changed –
the blackberry-choked
creeks,
the roads going
nowhere, the shyness
of youth. Let me see
again
the glitter of
galvanised iron,
the scatter of farms
and chicken sheds,
and pictures like
this:
in an afternoon of
its own
a tortoise makes its
slow way
across a road of blue
metal and tar.
It pulls in its head
at the sound
of an approaching
car, whose driver stops,
gets out, then moves
it into the tall grass
at the edge of the
road,
where a creek has
begun to unthread itself
from a soak, and etch
its straggly line
across the adjoining
paddock,
whose wall of trees
closes off the scene
from all the other
countries in the world.
Bom dia, Austrália!
(Irina Redine:
artista australiana)
Austrália
Respiro o ar de outro
país
quando caminho entre
essas pessoas.
Quão terrível é!
Gerações ansiaram por
uma nova vida
e se chega a isto!
O que as manterá de
pé
quando seus sonhos
forem reapropriados
e vendidos novamente
com desconto?
Dai-me, porém, o
cheiro de pregos usados
enferrujando em
latas, e os sonhos
que envoltos estavam
em mantas de juta.
Apraz-me esta cena
antes que se altere:
os riachos atulhados
de amoras,
as estradas levando a
lugar nenhum, a timidez
da juventude.
Deixai-me ver outra vez
o brilho do ferro galvanizado,
a multiplicação de granjas
e criatórios de frangos,
e imagens como esta:
em uma tarde, por iniciativa
própria,
uma tartaruga
percorre lentamente
uma estrada de macadame
azul e breu.
Ela recolhe a cabeça
ao som
de um carro que se
aproxima, cujo condutor para,
desce e então a move
para a grama alta
à beira da estrada,
onde um riacho
começara a desprender-se
de um molhe e a
sulcar o seu traçado irregular
através de um prado
contíguo,
no qual um cinturão
de árvores fecha a cena
a todos os outros
países do mundo.
Referência:
CATALANO, Gary.
Australia. In: LEHMANN, Geoffrey; GRAY, Robert (Eds.). Australian poetry
since 1788. Sydney, AU: University of New South Wales Press (UNSW Press),
2011. p. 763-764.
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