Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Gary Catalano - Austrália

O poeta australiano retrata em metáforas aquilo em que se transformou o seu torrão natal – um país de imigrantes que enfrentaram e povoaram, a duros golpes da sorte, o amplo território ainda virgem e tantas vezes inclemente, para ali concretizar os seus mais acalentados ideais –, deplorando a forma como, hoje, as pessoas que nele vivem mais se pareçam a estrangeiros devotados a atrativos alienígenas.

 

Na sucessão de tercetos, logo aparece uma cena que retrata a situação que seria a ideal para o falante, de uma Austrália redimida às suas raízes primeiras, de contato franco com a natureza circundante, cônscia de um passado que muito se prende aos seus costumes bucólicos, algo resguardada aos olhares alheios – intrusivos e calculistas.

 

Permita-me, leitor, um adendo que, embora se relacione à Austrália enquanto tema, não diz respeito diretamente ao poema em questão: reporto-me à obra “Voss” (1957), do Nobel, de cidadania australiana, Patrick White (1912-1990).

 

Nela, White relata, numa narrativa épica e psicológica, a história de Voss, um alemão que, em meados do século XIX, propõe-se a cruzar o continente australiano, numa jornada que lhe renderá tribulações, motins e traições, jornada essa da qual jamais retornará.

 

Vale dizer que os retratos pincelados pelo escritor ao longo de suas páginas remontam ao mesmo naturalismo, enquanto ‘modus vivendi’, que se depreende dos versos de Catalano, sendo talvez esse o lastro comum que me rendeu a associação entre os sopros criativos de ambos os autores.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gary Catalano

(1947-2002)

 

Australia

 

I breathe the air of another country

when I walk among these people.

How terrible it is!

 

Generations have yearned for the new life

and it comes to this!

What will hold them upright

 

when their dreams are repossessed

and sold again at a discount?

But give me the smell of used nails

 

rusting in tins, and the dreams

that were swaddled in hessian.

I want the scene before it changed –

 

the blackberry-choked creeks,

the roads going nowhere, the shyness

of youth. Let me see again

 

the glitter of galvanised iron,

the scatter of farms and chicken sheds,

and pictures like this:

 

in an afternoon of its own

a tortoise makes its slow way

across a road of blue metal and tar.

 

It pulls in its head at the sound

of an approaching car, whose driver stops,

gets out, then moves it into the tall grass

 

at the edge of the road,

where a creek has begun to unthread itself

from a soak, and etch its straggly line

 

across the adjoining paddock,

whose wall of trees closes off the scene

from all the other countries in the world.

 

Bom dia, Austrália!

(Irina Redine: artista australiana)

 

Austrália

 

Respiro o ar de outro país

quando caminho entre essas pessoas.

Quão terrível é!

 

Gerações ansiaram por uma nova vida

e se chega a isto!

O que as manterá de pé

 

quando seus sonhos forem reapropriados

e vendidos novamente com desconto?

Dai-me, porém, o cheiro de pregos usados

 

enferrujando em latas, e os sonhos

que envoltos estavam em mantas de juta.

Apraz-me esta cena antes que se altere:

 

os riachos atulhados de amoras,

as estradas levando a lugar nenhum, a timidez

da juventude. Deixai-me ver outra vez

 

o brilho do ferro galvanizado,

a multiplicação de granjas e criatórios de frangos,

e imagens como esta:

 

em uma tarde, por iniciativa própria,

uma tartaruga percorre lentamente

uma estrada de macadame azul e breu.

 

Ela recolhe a cabeça ao som

de um carro que se aproxima, cujo condutor para,

desce e então a move para a grama alta

 

à beira da estrada,

onde um riacho começara a desprender-se

de um molhe e a sulcar o seu traçado irregular

 

através de um prado contíguo,

no qual um cinturão de árvores fecha a cena

a todos os outros países do mundo.

 

Referência:

 

CATALANO, Gary. Australia. In: LEHMANN, Geoffrey; GRAY, Robert (Eds.). Australian poetry since 1788. Sydney, AU: University of New South Wales Press (UNSW Press), 2011. p. 763-764.

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