Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

D. H. Lawrence - O Morcego

Lawrence expõe a sua desatinada aversão em relação aos morcegos que vê em círculos sobre a Ponte Vecchio, em Florença (IT), de algum lugar “além de Pisa, além dos montes de Carrara”, depois de havê-los confundido com as andorinhas que por lá também sobrevoam, muito embora bem antes da hora do pôr do sol que então se entabulava.

 

Para os orientais, sendo mais específico, para os chineses, diz o poeta, a figura do morcego é símbolo de felicidade. E haja prelúdios de ventura: cinco morcegos dispostos em quincunce – esclarecem-nos Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2001, p. 620) – representam as cinco felicidades, a saber, riqueza, longevidade, tranquilidade, culto da virtude (ou saúde) e boa morte.

 

No entanto, para nós ocidentais, essa criatura híbrida, meio rato meio pássaro, mamífero com hábitos noturnos, avessos à luminosidade, vivendo em cavernas, são a mais rematada e prototípica figura do mal, com suas asas parecidas às que se ostentam em ilustrações de figuras infernais, de demônios. Daí para as lendas sobre vampiros, que se lhes assemelham no paramento e nos hábitos, é só um passo!

 

J.A.R. – H.C.

 

D. H. Lawrence

(1885-1930)

 

Bat

 

At evening, sitting on this terrace,

When the sun from the west, beyond Pisa, beyond the mountains of Carrara

Departs, and the world is taken by surprise...

 

When the tired flower of Florence is in gloom beneath the glowing

Brown hills surrounding...

 

When under the arches of the Ponte Vecchio

A green light enters against stream, flush from the west,

Against the current of obscure Arno...

 

Look up, and you see things flying

Between the day and the night;

Swallows with spools of dark thread sewing the shadows together.

 

A circle swoop, and a quick parabola under the bridge arches

Where light pushes through;

A sudden turning upon itself of a thing in the air.

A dip to the water.

 

And you think:

“The swallows are flying so late!”

 

Swallows?

 

Dark air-life looping

Yet missing the pure loop ...

A twitch, a twitter, an elastic shudder in flight

And serrated wings against the sky,

Like a glove, a black glove thrown up at the light,

And falling back.

 

Never swallows!

Bats!

The swallows are gone.

 

At a wavering instant the swallows gave way to bats

By the Ponte Vecchio ...

Changing guard.

 

Bats, and an uneasy creeping in one’s scalp

As the bats swoop overhead!

Flying madly.

 

Pipistrello!

Black piper on an infinitesimal pipe.

Little lumps that fly in air and have voices indefinite, wildly vindictive;

 

Wings like bits of umbrella.

 

Bats!

 

Creatures that hang themselves up like an old rag, to sleep;

And disgustingly upside down.

 

Hanging upside down like rows of disgusting old rags

And grinning in their sleep.

Bats!

 

In China the bat is symbol for happiness.

 

Not for me!

 

Ponte Vecchio: Pôr do sol em Florença

(Jane Small: artista inglesa)

 

O Morcego

 

Ao crepúsculo, sentado neste terraço,

Quando o sol no poente, além de Pisa, além dos montes de Carrara,

Se despede, e o mundo é tomado de surpresa...

 

Quando a flor fatigada de Florença entra em penumbra,

Aos pés do brilho-bronze das colinas que a rodeiam...

 

Quando, sob os arcos da Ponte Vecchio,

Uma luz verde se insinua contra a corrente, jorrando do poente,

Contra o Arno escurecido...

 

A gente olha para cima e vê umas coisas voando

Entre o dia e a noite;

Andorinhas com novelos de fio escuro, costurando cada sombra a outra.

 

Uma investida em círculo, e uma rápida parábola sob os arcos da ponte,

Onde a luz se intromete ainda;

Súbita pirueta de uma coisa no ar.

Breve mergulho na água.

 

E a gente pensa,

“As andorinhas em voo tão tardio!”

 

Andorinhas?

 

Escura vida aérea em círculos no ar,

Mas falhando na pura laçada...

Uma crispação, um alvoroço, uma tremura elástica em fuga

E as asas serrilhadas contra o céu,

Como uma luva, uma luva preta atirada para o alto, na luz,

E então caindo.

 

Andorinhas, nunca!

Morcegos!

As andorinhas já se foram.

 

Num tremulante instante as andorinhas cedem lugar aos morcegos

Junto à Ponte Vecchio.

Mudança da guarda.

 

Morcegos e um arrepio no couro cabeludo,

Quando eles descrevem laços sobre a cabeça da gente,

Voando adoidado.

 

Pipistrello! (*)

Negros flautistas de um flautim infinitésimo.

Pequenos glóbulos a voar pelo ar, com vozes indefinidas, selvagens, vingativas.

 

Asas como retalhos de guarda-chuva.

 

Morcegos!

 

Criaturas que, para dormir, se dependuram como velhos trapos;

E de cabeça para baixo, que nojento!

 

Dependurados de pernas para o ar, como nojenta fieira de trapos velhos;

E dormem de dentes arreganhados.

Morcegos!

 

Na China o morcego é símbolo de felicidade.

 

Não para mim!

 

Nota:

 

(*). Pipistrello: morcego, em italiano.

 

Referências:

 

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Tradução de Vera da Costa e Silva et al. 16 ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 2001.

 

LAWRENCE, D. H. Bat / O morcego. Tradução de Aíla de Oliveira Gomes. In: __________. Alguma poesia. Seleção, tradução e introdução de Aíla de Oliveira Gomes. Edição bilíngue. São Paulo, SP: T. A. Queiroz, 1991. Em inglês: p. 94 e 96; em português: p. 95 e 97. (‘Biblioteca de Letras e Ciências Humanas’; série 2ª, textos; v. 6)

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