Lawrence expõe a sua
desatinada aversão em relação aos morcegos que vê em círculos sobre a Ponte Vecchio,
em Florença (IT), de algum lugar “além de Pisa, além dos montes de Carrara”,
depois de havê-los confundido com as andorinhas que por lá também sobrevoam,
muito embora bem antes da hora do pôr do sol que então se entabulava.
Para os orientais, sendo
mais específico, para os chineses, diz o poeta, a figura do morcego é símbolo
de felicidade. E haja prelúdios de ventura: cinco morcegos dispostos em
quincunce – esclarecem-nos Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2001, p. 620) –
representam as cinco felicidades, a saber, riqueza, longevidade, tranquilidade,
culto da virtude (ou saúde) e boa morte.
No entanto, para nós
ocidentais, essa criatura híbrida, meio rato meio pássaro, mamífero com hábitos
noturnos, avessos à luminosidade, vivendo em cavernas, são a mais rematada e
prototípica figura do mal, com suas asas parecidas às que se ostentam em
ilustrações de figuras infernais, de demônios. Daí para as lendas sobre vampiros,
que se lhes assemelham no paramento e nos hábitos, é só um passo!
J.A.R. – H.C.
D. H. Lawrence
(1885-1930)
Bat
At evening, sitting
on this terrace,
When the sun from the
west, beyond Pisa, beyond the mountains of Carrara
Departs, and the
world is taken by surprise...
When the tired flower
of Florence is in gloom beneath the glowing
Brown hills
surrounding...
When under the arches
of the Ponte Vecchio
A green light enters
against stream, flush from the west,
Against the current
of obscure Arno...
Look up, and you see
things flying
Between the day and
the night;
Swallows with spools
of dark thread sewing the shadows together.
A circle swoop, and a
quick parabola under the bridge arches
Where light pushes
through;
A sudden turning upon
itself of a thing in the air.
A dip to the water.
And you think:
“The swallows are
flying so late!”
Swallows?
Dark air-life looping
Yet missing the pure
loop ...
A twitch, a twitter,
an elastic shudder in flight
And serrated wings
against the sky,
Like a glove, a black
glove thrown up at the light,
And falling back.
Never swallows!
Bats!
The swallows are
gone.
At a wavering instant
the swallows gave way to bats
By the Ponte Vecchio
...
Changing guard.
Bats, and an uneasy
creeping in one’s scalp
As the bats swoop
overhead!
Flying madly.
Pipistrello!
Black piper on an
infinitesimal pipe.
Little lumps that fly
in air and have voices indefinite, wildly vindictive;
Wings like bits of
umbrella.
Bats!
Creatures that hang
themselves up like an old rag, to sleep;
And disgustingly
upside down.
Hanging upside down
like rows of disgusting old rags
And grinning in their
sleep.
Bats!
In China the bat is
symbol for happiness.
Not for me!
Ponte Vecchio: Pôr do
sol em Florença
(Jane Small: artista
inglesa)
O Morcego
Ao crepúsculo,
sentado neste terraço,
Quando o sol no
poente, além de Pisa, além dos montes de Carrara,
Se despede, e o mundo
é tomado de surpresa...
Quando a flor
fatigada de Florença entra em penumbra,
Aos pés do
brilho-bronze das colinas que a rodeiam...
Quando, sob os arcos
da Ponte Vecchio,
Uma luz verde se
insinua contra a corrente, jorrando do poente,
Contra o Arno
escurecido...
A gente olha para
cima e vê umas coisas voando
Entre o dia e a
noite;
Andorinhas com
novelos de fio escuro, costurando cada sombra a outra.
Uma investida em
círculo, e uma rápida parábola sob os arcos da ponte,
Onde a luz se
intromete ainda;
Súbita pirueta de uma
coisa no ar.
Breve mergulho na água.
E a gente pensa,
“As andorinhas em voo
tão tardio!”
Andorinhas?
Escura vida aérea em
círculos no ar,
Mas falhando na pura
laçada...
Uma crispação, um
alvoroço, uma tremura elástica em fuga
E as asas serrilhadas
contra o céu,
Como uma luva, uma luva
preta atirada para o alto, na luz,
E então caindo.
Andorinhas, nunca!
Morcegos!
As andorinhas já se
foram.
Num tremulante
instante as andorinhas cedem lugar aos morcegos
Junto à Ponte
Vecchio.
Mudança da guarda.
Morcegos e um arrepio
no couro cabeludo,
Quando eles descrevem
laços sobre a cabeça da gente,
Voando adoidado.
Pipistrello! (*)
Negros flautistas de
um flautim infinitésimo.
Pequenos glóbulos a voar pelo ar,
com vozes indefinidas, selvagens, vingativas.
Asas como retalhos de
guarda-chuva.
Morcegos!
Criaturas que, para
dormir, se dependuram como velhos trapos;
E de cabeça para
baixo, que nojento!
Dependurados de
pernas para o ar, como nojenta fieira de trapos velhos;
E dormem de dentes
arreganhados.
Morcegos!
Na China o morcego é
símbolo de felicidade.
Não para mim!
Nota:
(*). Pipistrello:
morcego, em italiano.
Referências:
CHEVALIER, Jean;
GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Tradução de Vera da Costa e
Silva et al. 16 ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 2001.
LAWRENCE, D. H. Bat /
O morcego. Tradução de Aíla de Oliveira Gomes. In: __________. Alguma poesia.
Seleção, tradução e introdução de Aíla de Oliveira Gomes. Edição bilíngue. São
Paulo, SP: T. A. Queiroz, 1991. Em inglês: p. 94 e 96; em português: p. 95 e 97.
(‘Biblioteca de Letras e Ciências Humanas’; série 2ª, textos; v. 6)
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