Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 3 de dezembro de 2022

E. E. Cummings - ninguém perde o tempo todo

Os versos deste poema narrativo nos contam sobre as desventuras laborais de um tio do falante chamado “Sol”, para quem tudo quanto empreendeu em vida veio a expirar (entenda-se, não exatamente por sua própria vontade), mas não a rigor quando morreu, pois, aí sim, deu ensejo a uma multiplicação interminável de vermes, tornando-se um sustentáculo para a reprodução da vida – como um verdadeiro “Sol” haveria de ser!

 

De um perdedor espontâneo a um vencedor involuntário: assim se poderia resenhar o histórico de existência do tio “Sol”, homem que, diante dos seus fracassos, abre mão da própria vida se afogando num tanque d’água, dando cabo à luz e ao calor – um atributo mais formalmente condizente com o seu respectivo nome – para se converter, com o seu corpo inerte, num negócio de êxito.

 

J.A.R. – H.C.

 

E. E. Cummings

(1894-1962)

 

nobody loses all the time

 

nobody loses all the time

 

i had an uncle named

Sol who was a born failure and

nearly everybody said he should have gone

into vaudeville perhaps because my Uncle Sol could

sing McCann He Was A Diver on Xmas Eve like Hell

Itself which

may or may not account for the fact that my Uncle

 

Sol indulged in that possibly most inexcusable

of all to use a highfalootin phrase

luxuries that is or to

wit farming and be

it needlessly

added

 

my Uncle Sol’s farm

failed because the chickens

ate the vegetables so

my Uncle Sol had a

chicken farm till the

skunks ate the chickens when

 

my Uncle Sol

had a skunk farm but

the skunks caught cold and

died and so

my Uncle Sol imitated the

skunks in a subtle manner

 

or by drowning himself in the watertank

but somebody who’d given my Uncle Sol a Victor

Victrola and records while he lived presented to

him upon the auspicious occasion of his decease a

scruptious not to mention splendiferous funeral with

tall boys in black gloves and flowers and everything and

 

i remember we all cried like the Missouri

when my Uncle Sol’s coffin lurched because

somebody pressed a button

(and down went

my Uncle

Sol

 

and started a worm farm)

 

Homem alimentando galinha

(Joe Smigielski: pintor norte-americano)

 

ninguém perde o tempo todo

 

ninguém perde o tempo todo

 

eu tive um tio chamado

Sol que já nasceu falido e

quase todos disseram deve ter

acabado num vaudeville talvez porque meu Tio Sol

cantava McCann Era Mergulhador no Natal

como o Próprio Demo

conta ou não pelo fato de meu Tio

 

Sol ceder possivelmente a mais imperdoável

de todas para usar frase faustosa

as luxúrias que são digo

é o sítio e que seja

inutilmente

dito

 

O sítio do Tio Sol

faliu porque as galinhas

comeram a horta então

meu Tio Sol teve uma

granja e os gambás

comeram as galinhas e

 

meu Tio Sol

foi criar gambás mas

eles se resfriaram e

morreram e

meu Tio Sol imitou os

gambás na sutileza

 

ou se afogou no tanque d’água

mas alguém dera ao meu Tio Sol uma Vitrola

Victor e discos de presente enquanto vivo

na hora propícia de seu falecimento proporcionou

um grandioso pra não dizer esplendoroso funeral

com moços altos luvas pretas flores e tudo e

 

eu lembro nós todos choramos um Missouri

quando baixou o caixão do Tio Sol por-

que alguém apertou um botão

(e foi-se

meu Tio

Sol

 

e foi criar vermes)

 

Referência:

 

CUMMINGS, E. E. nobody loses all the time / ninguém perde o tempo todo. Tradução de Mário Domingues. In: __________. O tigre de veludo (alguns poemas). Seleção e tradução de Adalberto Müller, Mario Domingues e Mauricio Cardozo. Brasília, DF: Editora da UnB, 2007. Em inglês: p. 60 e 62; em português: 61 e 63. (Coleção ‘Poetas do Mundo’)

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