Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Martins Fontes - No Vergel dos Filósofos

Sobre o que se medita no horto dos filósofos, segundo as presunções do poeta santista, são ruminações que mais parecem proceder do longo caudal de pensadores pessimistas – como Kierkegaard (1813-1855), Schopenhauer (1788-1860) e Nietzsche (1844-1900) –, para quem a vida mais se assemelha ao mal absoluto, torrente de misérias e de sofrimento.

 

Note-se o vocabulário taciturno empregado por Fontes – desespero, melancolia, cemitério, túmulo, castigo, tortura – e se poderá concluir que os aludidos filósofos, presumivelmente, deliciaram-se com os frutos da árvore proibida, o que lhes açulou o espírito para virem a concluir que não há rosas sem espinhos, embora haja espinhos a granel sem uma rosa sequer para atenuar o rigor da paisagem.

 

J.A.R. – H.C.

 

Martins Fontes

(1884-1937)

 

No Vergel dos Filósofos

 

Homem, a vida é o mal absoluto. Medita

no desespero de viver.

E considera o nada a solução bendita,

diante do horror de renascer.

 

Filósofo, a mulher encarnava a poesia,

e possuiu teu coração.

Chamou-se: – Flor do Mal, Musa Melancolia,

Ísis da Desesperação.

 

Se fosse dado a alguém ressuscitar da calma

que guarda o túmulo, esse alguém

invejaria a paz dos que dormem sem alma,

como a quem muito amou convém.

 

E, ao crepúsculo, quando, encobrindo o mistério,

começa a treva a se expandir,

iria pervagar em torno a um cemitério,

na ânsia de entrar, jazer, dormir.

 

Conhecer exaspera; ignorar entristece.

Que há de fazer, no seu penar,

o homem, númen mortal, argila que apodrece,

mas que também reluz? Sonhar!

 

Conter no coração tudo o que a noite encerra;

sonhar! Sentir, mísero Jó,

o castigo de um anjo insulado na terra,

a tortura de um deus exilado no pó.

 

Em: “Prometeu” (1924)

 

Três filósofos

(Giorgio B. da Castelfranco: pintor italiano)

 

Referência:

 

FONTES, Martins. No vergel dos filósofos. In: __________. Poesia: antologia. Seleção e organização de Cassiano Ricardo. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1959. p. 93-94. (“Nossos Clássicos”; v. 40)

Nenhum comentário:

Postar um comentário