O poeta catalão, também sacerdote
católico, contempla melancolicamente a beira-mar a partir do cimo de um
promontório e lhe dedica estas quadras, algo conforme às representações de um
mundo efêmero, que, como o mar, mostra-se indômito ao dissipar, inapelavelmente,
castelos ou versos que venham a ser arquitetados em suas areias.
Certo matiz
premonitório ou pressagiador salta do poema de Verdaguer, em especial de suas
últimas estrofes, nas quais o poeta pondera sobre o que do coração ou da vida
as ondas carregam consigo em seu infindável fluxo e refluxo, matutando sobre o
inexorável dia em que o tempo há de o levar ao fundo, quando então – quem sabe?
– poderá redigir com estrelas outros tantos versos nas “singelas páginas” da “praia
do mar dos céus”.
J.A.R. – H.C.
Jacint Verdaguer
(1845-1902)
Al cim d’un
promontori que domina
les ones de la mar,
quan l’astre rei cap
a ponent declina
me’n pujo a meditar.
Amb la claror d’aqueixa
llàntia encesa
contemplo mon no-res;
contemplo el mar i el
cel, i llur grandesa
m’aixafa com un pes.
Eixes ones, mirall de
les estrelles,
me guarden tants
records,
que em plau reveure
tot sovint en elles
mos somnis que són
morts.
Aixequí tants
castells en eixes ribes
que m’ha aterrat lo
vent,
amb ses torres i
cúpules altives
de vori, d’or i
argent:
poemes, ai!, que
foren una estona
joguina d’infantons,
petxines que un
instant surten de l’ona
per retornar al fons;
vaixells que amb
veles i aparell s’ensorren
en un matí de maig,
illetes d’or que
naixen i s’esborren
del sol al primer
raig;
idees que m’acurcen l’existència
duent-se’n ma
escalfor,
com rufagada que se’n
du amb l’essència
l’emmusteïda flor.
A la vida o al cor
quelcom li prenen
les ones que se’n
van;
si no tinc res, les
ones que ara vénen,
dieu-me, què voldran?
Amb les del mar o amb
les del temps un dia
tinc de rodar al
fons;
per què, per què,
enganyosa poesia,
m’ensenyes de fer
mons?
Per què escriure més
versos en l’arena?
Platja del mar dels
cels,
quan serà que en ta
pàgina serena
los escriuré amb
estels?
Caldetes, 10 de gener
1883
A longa jornada para
casa
(Mason Archie: pintor
norte-americano)
À beira-mar
No alto de um
promontório que domina
as ondas desse mar,
quando ao poente o
astro rei declina
me ponho a meditar.
Com o esplendor
daquela luz acesa
contemplo o meu
não-ser;
contemplo o mar e o
céu, e sua grandeza
esmaga meu poder.
Ondas a me guardar
tantas lembranças
(espelho de
estrelas),
que aos meus sonhos
já mortos não me cansa
observar entre elas.
Tantos castelos nesta
praia alcei
que o vento pôs um
fim,
com cúpulas e torres
altaneiras
de ouro, prata e
marfim:
poemas, ai!, que por
um tempo foram
qual jogos de azar,
conchinhas que um
instante vêm pra fora
para ao fundo voltar;
barcos com suas velas
que naufragam
numa manhã de maio,
ilhas de ouro que
nascem e se apagam
vindo o primeiro raio;
ideias que me
encurtam a existência
roubando-me o calor;
qual lufada que leva
com a essência
a ressecada flor.
Do coração ou da
vida, algo tomam
as ondas que se vão;
se nada tenho, as
ondas que ora assomam
que querem, me dirão?
Com as do mar ou as
do tempo um dia
hei de rodar ao
fundo;
por que, por que,
enganosa poesia,
me ensinas fazer
mundos?
Por que escrever nas
areias os versos meus?
Quando em tuas
singelas
páginas, ó praia do
mar dos céus,
os farei com
estrelas?
Caldetes, 10 de
janeiro de 1883
Referência:
VERDAGUER, Jacint. Vora
la mar / À beira-mar. Tradução de Fábio Aristimunho Vargas. In: VARGAS, Fábio Aristimunho
(Organização e tradução). Poesia catalã: das origens à guerra civil. São
Paulo, SP: Hedra, 2009. Em catalão: p. 79-80; em português: p. 78-79.
Nenhum comentário:
Postar um comentário