O poeta catalão resenha
em seus versos um Natal frugal, digo melhor, o vivenciado em meio à pobreza, diante
da qual, Cristo quando nascer, haverá de se contristar: a mirada sobre os fatos
transmigra do âmbito externo – onde muitos acorrem barulhentamente ao mercado,
um carrinho carregado com aipo aí incluso –, para o interno à residência onde
se encontra o falante e outros, a devorarem um frango à mesa.
Exterior e interior contrastam
identicamente na temperatura de cada ambiente, fria na noite que se passa lá
fora, mas tépida na cozinha, onde o braseiro “arde à luz do gás aceso”. No
mais, a consciência atormentada dos que, reconhecendo-se pobres, deveriam ser
mais solidários ao choro de uma criança também nascida em estado de necessidade.
J.A.R. – H.C.
Joan Salvat-Papasseit
(1894-1924)
Nadal
A Emili Badiella
Sento el fred de la
nit
i la simbomba fosca.
Així el grup d’homes
joves que ara passa cantant.
Sento el carro dels
apis
que l’empedrat
recolza
i els altres qui l’avencen,
tots d’adreça al mercat.
Els de casa a la cuina
prop del braser que
crema
amb el gas tot encès
han enllestit el gall.
Ara esguardo la
lluna, que m’apar lluna plena;
i ells recullen les
plomes,
i ja enyoren demà.
Demà posats a taula
oblidarem els pobres
– i tan pobres com
som –
Jesús ja serà nat.
Ens mirarà un moment
a l’hora de les postres
i després de
mirar-nos arrencarà a plorar.
Véspera de Natal em Copenhagen
(Erik Ludwig
Henningsen: pinor dinamarquês)
Natal
A Emili Badiella
Eu sinto o frio da
noite
e a zabumba escura.
Tal o grupo de jovens
que ora passa cantando.
Ouço o carro de aipo
que roda na calçada
e os outros que
avançam, todos rumo ao mercado.
Na cozinha, os de casa,
junto ao braseiro que
arde
à luz do gás aceso,
deram cabo do frango.
Contemplo agora a
lua, parece lua cheia;
e eles juntam as
penas,
pensando em amanhã.
Amanhã nós aos pobres
à mesa esqueceremos
– tão pobres quanto
somos –
Jesus terá nascido.
Na hora da sobremesa
nos olhará um momento.
e depois de
olhar-nos desatará a chorar.
Referência:
SALVAT-PAPASSEIT,
Joan. Nadal / Natal. Tradução de Fábio Aristimunho Vargas. In: VARGAS, Fábio
Aristimunho (Organização e tradução). Poesia catalã: das origens à
guerra civil. São Paulo, SP: Hedra, 2009. Em catalão e em português: p. 93.
Nenhum comentário:
Postar um comentário