O Natal se aproxima e
a falante não se dispõe a entrar em sintonia com o “estado normal das coisas”,
desejando felicidades e um venturoso ano novo aos que lhe são próximos, tudo
porque vivem sofregamente a relação do amor, gerando filhos, “fazendo tragédias”,
morrendo um pouco a cada dia, sem saber que estão se aproximando intrêmulos a
esse desenlace extremo.
Morte que haverão de
experimentar em pureza angelical, sem nada atinar sobre os dias que perderam em
vida, sem perceber que “o amor não é amor”: deveras, a voz lírica lança reptos
às leis da natureza a todos imposta, chamando “loucos” a estes, porque não percebem
que a “natureza é um mito” e que melhor seria eliminar os desejos para se
chegar a um ego transmutado em dignificada essência.
J.A.R. – H.C.
Hilda Hilst
(1930-2004)
XII
Dia doze... e eu não
suportarei
o estado normal das
cousas.
O ano que vem, não
vou desejar
felicidades a
ninguém.
Nem bom natal, nem
boas entradas.
Meus amigos sabem de
tudo o que eu sei.
E continuam a viver
sem interrupção,
apressadamente como
no ato do amor.
São doidos e não
percebem que amanhã
Cristina não virá.
Que amanhã Cristina
vai morrer
porque ama a vida.
Amanhã serei
corajosamente Cristina.
Eu, amando todos os
que sofrem.
Eu... essência.
Mas os meus amigos,
coitados,
não percebem.
Fazem filhos nascer,
fazem tragédia.
Não sabem que o amor
não é amor
e a natureza é um
mito.
Não sabem de nada os
meus amigos.
E não vou explicar
porque podem ficar
sentidos.
São puros, vão morrer
como anjos.
Vão morrer sem nada
saber
daqueles dias
perdidos.
Vão morrer sem saber
que estão morrendo.
Em: “Presságio”
(1950)
Satisfação com a vida
(Sajjad Admad:
artista paquistanês)
Referência:
HILST, Hilda. XII. Dia doze... e eu não suportarei. In: __________. Da poesia. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 28-29.
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