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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Hilda Hilst - XII: Dia doze… e eu não suportarei

O Natal se aproxima e a falante não se dispõe a entrar em sintonia com o “estado normal das coisas”, desejando felicidades e um venturoso ano novo aos que lhe são próximos, tudo porque vivem sofregamente a relação do amor, gerando filhos, “fazendo tragédias”, morrendo um pouco a cada dia, sem saber que estão se aproximando intrêmulos a esse desenlace extremo.

 

Morte que haverão de experimentar em pureza angelical, sem nada atinar sobre os dias que perderam em vida, sem perceber que “o amor não é amor”: deveras, a voz lírica lança reptos às leis da natureza a todos imposta, chamando “loucos” a estes, porque não percebem que a “natureza é um mito” e que melhor seria eliminar os desejos para se chegar a um ego transmutado em dignificada essência.

 

J.A.R. – H.C.

 

Hilda Hilst

(1930-2004)

 

XII

 

Dia doze... e eu não suportarei

o estado normal das cousas.

O ano que vem, não vou desejar

felicidades a ninguém.

 

Nem bom natal, nem boas entradas.

 

Meus amigos sabem de tudo o que eu sei.

E continuam a viver sem interrupção,

apressadamente como no ato do amor.

São doidos e não percebem que amanhã

Cristina não virá.

Que amanhã Cristina vai morrer

porque ama a vida.

 

Amanhã serei corajosamente Cristina.

Eu, amando todos os que sofrem.

Eu... essência.

 

Mas os meus amigos, coitados,

não percebem.

Fazem filhos nascer, fazem tragédia.

Não sabem que o amor não é amor

e a natureza é um mito.

 

Não sabem de nada os meus amigos.

E não vou explicar

porque podem ficar sentidos.

São puros, vão morrer como anjos.

Vão morrer sem nada saber

daqueles dias perdidos.

 

Vão morrer sem saber que estão morrendo.

 

Em: “Presságio” (1950)

 

Satisfação com a vida

(Sajjad Admad: artista paquistanês)

 

Referência:

 

HILST, Hilda. XII. Dia doze... e eu não suportarei. In: __________. Da poesia. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 28-29.


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