Um estado de lucidez
e de presença contínua a testemunhar a passagem do rio do tempo e a reter na
memória todos os rostos, as emoções e as horas felizes com os que lhe são
próximos – mortos ou vivos, pouco importa –, pois a falante reconhece-se como o
aqui, o agora e o passado que não cessa, sempre a lhe arrebatar o espírito.
Na negação do tempo
firma-se o ilimitado de momento, como no soneto de Vinicius de Moraes – de um
amor “infinito enquanto dure” –, medida do possível dentro dessa percepção
axiomática, intermitente, cíclica do universo, mas não menos pejada de autenticidade,
de verdade, de impulso a dar sentido à aventura do ser humano sobre a terra.
J.A.R. – H.C.
Lya Luft
(1938-2021)
O Rio do Tempo
O tempo não existe,
nem dentro nem fora.
Esses peixes de opala
são nomes que nadam
na memória:
são rostos, são
risos, são prantos,
são as horas felizes.
O tempo não existe,
pois tudo continua
aqui, e cresce
como se arredonda uma
árvore
pesada de frutos que
são peixes,
que são nomes de
nomes, são rostos
com máscaras.
O tempo não existe.
Sou apenas
o aqui e o presente,
e o atrás disso,
como um rio que corre
mas não passa
– pois ele é sempre,
em mim, agora.
Rio do Tempo
(Martine Bilodeau: artista
canadense)
Referência:
LUFT, Lya. O rio do
tempo. In: __________. Para não dizer adeus. Rio de Janeiro, RJ: Record,
2005. p. 29.
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