A poesia está nas
paradas de Brasília (DF), pois, em minhas caminhadas vespertinas pela Asa
Norte, sempre deparo com obras poéticas, de autoria singular ou coletiva, disponíveis
a quem se propuser compulsá-las ou até mesmo levá-las para casa, a exemplo da
que ora indico no campo de “Referência”, atinente a um sarau nacional de 2015,
ao fim do qual houve prêmios para 8 (oito) de seus participantes.
Mas o que aqui
apresento é uma idiossincrática seleção de 5 (cinco) poemas de entre os muitos escolhidos
pela equipe de triagem, alguns em concordância com o tino do “corpo de jurados”,
outros nem tanto: à base de cada um deles, teço um rápido comentário a
sintetizar os motivos pelos quais os aditei nesta seleta.
J.A.R. – H.C.
São Paulo: skyline
Seresta
(RAMOS, 2015, p. 15)
Meu coração é como o
clima paulistano,
num mesmo dia sou
inverno e sou outono
com essa presença do
seu vulto inoportuno.
E em meu peito
tempestuo amargurada
conversas quentes sob
a chuva na vidraça,
ruídos surdos de um
silêncio em badalada.
Na longa noite
imediata dos meus olhos
chuvilham pílulas
nocebas demulcentes,
fulguram pintas
semifusas emergentes.
Mas tu, que fazes nas
notas dessa gaita?
Por que visitas a
modinha já entoada?
Deixa que os raios do
verão ressequem a fenda.
Mesmo que tenha em
tua mente sempre a certeza
de entre tantos seres
o dono da aposta,
a fratura não
exposta.
Leva os teus sinais
que a saudade dói como um barco
cujas águas não
deixam rastro
e o destino segue as
sortes do acaso.
(Tabita Brito S.
Nascimento – Osasco/SP)
1º Colocação
(À inflexão pulsante
da quarta e da quinta estrofes – como que a simular arranque num fluxo, com
pronto retorno ao marasmo de uma presumida garoa paulistana –, soma-se o
“achado” que são os versos da terceira estância, a mesclar efeitos inusitados
em vocábulos raros e graciosamente combinados, em pronta associação melódica
com o título do poema.)
Ω
Ideias
(RAMOS, 2015, p. 19)
“A alma é tudo”,
disse o poeta
Enquanto empunhava
sua espada
Para defender-se de
conceitos
Que retalham a
consciência!
“O corpo é tudo”,
disse o cientista
Com sua lâmina já
erguida
E, ao fundo, dez mil
zumbis
Brigam por um túmulo!
Como ondas do mar
Ideias chegam em
terra
E logo se dissolvem!
As espadas se uniram
E os homens caíram
Sem corpo, nem alma!
(Elias Dourado –
Brasília/DF)
5ª Colocação
(Vê-se neste
desamarrado soneto a confrontação entre as partes que compõem a visão dual do
ser humano, conforme a perspectiva aristotélico-tomista, cuja certa forma oriental
de ver todas as coisas manifestas a partir da unidade é-lhe evidentemente apofática.)
Ω
Cego
(RAMOS, 2015, p. 22)
Quem foste tu ó
prisioneiro aberto
Desesperado por uma
folha de papel
Na escuridão do
quarto para compor um verso?
Quisera que tu fosses
livre e certo
Na prisão do quarto
percorrido em dores
Clareando teus
insólitos versos.
E assim, transformar
fel em flores
Teria então chegado
ao céu
Transmutando o amargo
em mel
E solidão em cores.
(Iza Ferreira –
Recife/PE)
8º Colocação
(O tema do poema
obviamente reporta-se à figura do poeta, podendo ainda ser concatenado – por extensão
ao título – ao aedo grego Homero [928 a.C – 898 a.C.], autor a quem são atribuídas
as narrativas da “Ilíada” e da “Odisseia”, marcos inarredáveis da épica ocidental.)
Ω
Juiz Venal, Juízo
Final
(RAMOS, 2015, p. 123)
Fui ao Fórum
e não levei dinheiro,
Fui ao Tribunal
e me dei mal!
No balcão de negócios
sentenças são
vendidas
e acórdãos são
acordados.
Os homens de preto
decidem
e os advogados e
parentes se entendem.
Quanto custa uma
liminar?
Quem dá mais?
No mercado do direito
desembargador
desembarga,
juiz ajuíza
e o povo fica sem
juízo.
Juízo venal, juízo
final.
(João D’ Deus – João
Pessoa/PB)
Poema apenas
selecionado
(Tem-se aqui uma
mirada sarcástica sobre as instituições que fazem o Direito – não
necessariamente a Justiça –, porque, como se observa, há quem degenere a coisa
para transformar-se num grande balcão de negócios, como que a respeitar a lei
econômica da oferta e da procura por decisões, sentenças ou acórdãos.)
Ω
Manifesto do “entre”
(RAMOS, 2015, p. 142)
A Poesia do entre
em estado marginal
serpenteia os
intervalos
reptilianamente em
busca de espaços,
oxigênio “entre
atos”.
Poesia do intervalo
à espreita de uma
vírgula,
da boa chance de um
ponto,
da glória de um
parágrafo...
De um tempo perdido.
Aquaticamente poesia
que infiltra fissuras e brechas,
para vivificar as
paredes secas, mesmo em Veneza
estratificada,
turismada, desertificada nas águas
a não ser por uma
gaivota e seu filhote
que gritam: “Aqui
ainda há”, “ainda há, “ainda água”.
Água verde ornando as
belíssimas casas
entornando Vênus em
Veneza.
Poesia do intervalo
lá, aqui ou ali
uma faca na rotina
parindo produção
roubada
na hora do descuido
do momento poético
não funcional.
(Luca Castro – Rio de
Janeiro/RJ)
Poema apenas
selecionado
(Percebe-se aqui o
jogo de palavras a tentar capturar a poesia de uma súbita epifania, mediante a alusão
a elementos em curso por denotativas frinchas, lançando-se mão, para tanto, de
sugestivas imagens da “turismada” cidade de Veneza (IT), tornando assim frutuoso
– pelo menos para o fazer poético – um momento ou intervalo que se pretendia de
mero descanso da mente, durante a presumível jornada de trabalho do ente lírico.)
Veneza: skyline
Referência:
RAMOS, Isaac Almeida
(Organização e Apresentação). Antologia poética – Prêmio Sarau Brasil 2015.
Concuro Nacional ‘Novos Poetas’. Cabedelo (Cidade Portuária), PB: Vivara, 2015.
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