Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 1 de março de 2022

VVAA - Poesia pelo Brasil afora

A poesia está nas paradas de Brasília (DF), pois, em minhas caminhadas vespertinas pela Asa Norte, sempre deparo com obras poéticas, de autoria singular ou coletiva, disponíveis a quem se propuser compulsá-las ou até mesmo levá-las para casa, a exemplo da que ora indico no campo de “Referência”, atinente a um sarau nacional de 2015, ao fim do qual houve prêmios para 8 (oito) de seus participantes.

 

Mas o que aqui apresento é uma idiossincrática seleção de 5 (cinco) poemas de entre os muitos escolhidos pela equipe de triagem, alguns em concordância com o tino do “corpo de jurados”, outros nem tanto: à base de cada um deles, teço um rápido comentário a sintetizar os motivos pelos quais os aditei nesta seleta.

 

J.A.R. – H.C.

 

São Paulo: skyline

 

Seresta

(RAMOS, 2015, p. 15)

 

Meu coração é como o clima paulistano,

num mesmo dia sou inverno e sou outono

com essa presença do seu vulto inoportuno.

 

E em meu peito tempestuo amargurada

conversas quentes sob a chuva na vidraça,

ruídos surdos de um silêncio em badalada.

 

Na longa noite imediata dos meus olhos

chuvilham pílulas nocebas demulcentes,

fulguram pintas semifusas emergentes.

 

Mas tu, que fazes nas notas dessa gaita?

Por que visitas a modinha já entoada?

 

Deixa que os raios do verão ressequem a fenda.

Mesmo que tenha em tua mente sempre a certeza

de entre tantos seres o dono da aposta,

a fratura não exposta.

 

Leva os teus sinais que a saudade dói como um barco

cujas águas não deixam rastro

e o destino segue as sortes do acaso.

 

(Tabita Brito S. Nascimento – Osasco/SP)

1º Colocação

 

(À inflexão pulsante da quarta e da quinta estrofes – como que a simular arranque num fluxo, com pronto retorno ao marasmo de uma presumida garoa paulistana –, soma-se o “achado” que são os versos da terceira estância, a mesclar efeitos inusitados em vocábulos raros e graciosamente combinados, em pronta associação melódica com o título do poema.)

 

Ω

 

Ideias

(RAMOS, 2015, p. 19)

 

 

“A alma é tudo”, disse o poeta

Enquanto empunhava sua espada

Para defender-se de conceitos

Que retalham a consciência!

 

“O corpo é tudo”, disse o cientista

Com sua lâmina já erguida

E, ao fundo, dez mil zumbis

Brigam por um túmulo!

 

Como ondas do mar

Ideias chegam em terra

E logo se dissolvem!

 

As espadas se uniram

E os homens caíram

Sem corpo, nem alma!

 

(Elias Dourado – Brasília/DF)

5ª Colocação

 

(Vê-se neste desamarrado soneto a confrontação entre as partes que compõem a visão dual do ser humano, conforme a perspectiva aristotélico-tomista, cuja certa forma oriental de ver todas as coisas manifestas a partir da unidade é-lhe evidentemente apofática.)

 

Ω

 

Cego

(RAMOS, 2015, p. 22)

 

Quem foste tu ó prisioneiro aberto

Desesperado por uma folha de papel

Na escuridão do quarto para compor um verso?

 

Quisera que tu fosses livre e certo

Na prisão do quarto percorrido em dores

Clareando teus insólitos versos.

 

E assim, transformar fel em flores

Teria então chegado ao céu

Transmutando o amargo em mel

E solidão em cores.

 

(Iza Ferreira – Recife/PE)

8º Colocação

 

(O tema do poema obviamente reporta-se à figura do poeta, podendo ainda ser concatenado – por extensão ao título – ao aedo grego Homero [928 a.C – 898 a.C.], autor a quem são atribuídas as narrativas da “Ilíada” e da “Odisseia”, marcos inarredáveis da épica ocidental.)

 

Ω

 

Juiz Venal, Juízo Final

(RAMOS, 2015, p. 123)

 

Fui ao Fórum

e não levei dinheiro,

Fui ao Tribunal

e me dei mal!

No balcão de negócios

sentenças são vendidas

e acórdãos são acordados.

Os homens de preto decidem

e os advogados e parentes se entendem.

Quanto custa uma liminar?

Quem dá mais?

No mercado do direito

desembargador desembarga,

juiz ajuíza

e o povo fica sem juízo.

Juízo venal, juízo final.

 

(João D’ Deus – João Pessoa/PB)

Poema apenas selecionado

 

(Tem-se aqui uma mirada sarcástica sobre as instituições que fazem o Direito – não necessariamente a Justiça –, porque, como se observa, há quem degenere a coisa para transformar-se num grande balcão de negócios, como que a respeitar a lei econômica da oferta e da procura por decisões, sentenças ou acórdãos.)

 

Ω

 

Manifesto do “entre”

(RAMOS, 2015, p. 142)

 

A Poesia do entre

em estado marginal

serpenteia os intervalos

reptilianamente em busca de espaços,

oxigênio “entre atos”.

Poesia do intervalo

à espreita de uma vírgula,

da boa chance de um ponto,

da glória de um parágrafo...

De um tempo perdido.

 

Aquaticamente poesia que infiltra fissuras e brechas,

para vivificar as paredes secas, mesmo em Veneza

estratificada, turismada, desertificada nas águas

a não ser por uma gaivota e seu filhote

que gritam: “Aqui ainda há”, “ainda há, “ainda água”.

Água verde ornando as belíssimas casas

entornando Vênus em Veneza.

 

Poesia do intervalo lá, aqui ou ali

uma faca na rotina

parindo produção roubada

na hora do descuido

do momento poético não funcional.

 

(Luca Castro – Rio de Janeiro/RJ)

Poema apenas selecionado

 

(Percebe-se aqui o jogo de palavras a tentar capturar a poesia de uma súbita epifania, mediante a alusão a elementos em curso por denotativas frinchas, lançando-se mão, para tanto, de sugestivas imagens da “turismada” cidade de Veneza (IT), tornando assim frutuoso – pelo menos para o fazer poético – um momento ou intervalo que se pretendia de mero descanso da mente, durante a presumível jornada de trabalho do ente lírico.)

 

Veneza: skyline

 

Referência:

 

RAMOS, Isaac Almeida (Organização e Apresentação). Antologia poética – Prêmio Sarau Brasil 2015. Concuro Nacional ‘Novos Poetas’. Cabedelo (Cidade Portuária), PB: Vivara, 2015.

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