Tem-se aqui uma das “Street
Songs” (“Canções de Rua”) redigidas pela excêntrica autora inglesa durante os
anos da 2GM e, afinal, publicadas em 1942: a temática, por si só, já prenuncia
algo de escatologicamente visionário, aglutinando imagens ou ideias que se
abeiram e, logo então, se desobrigam, como se extraídas ao Zaratustra de
Nietzsche e colacionadas nos versos para acomodarem um terceiro sentido, o
qual, aliás, não se deixa desvelar por inteiro, embora se deduza nada
auspicioso.
Certa comoção mortificadora
impregna as linhas, tornando-as densas, muitas delas texturadas com exortações
ao calor humano, no claro propósito de dar voltas a uma atmosfera ensombrecida
e de sufocação, suscitada não meramente por causas externas – dada a realidade
de conflito generalizado na Europa –, senão e principalmente por móbiles internos
à voz lírica, sitiada, a meu ver, por um perceptível sentimento de solidão.
J.A.R. – H.C.
Edith Sitwell
(1887-1964)
Street Song
“Love my heart for an
hour, but my bone for a day
At least the skeleton
similes, for it has a morrow:
But the hearts of the
young are now the dark treasure of Death
And summer is lonely.
Comfort the lonely
light and the sun in its sorrow,
Come like the night,
for terrible is the sun
As truth, and the
dying light shows only the skeleton’s hum
For peace, under the
like flesh the summer rose.
Come through the
darkness of death, as once through
the branches
Of youth you came,
through the shade like the flowering door
That leads into
Paradise, far from the street, you, the unborn
City seen by the
homeless, the night of the poor.
You walk in the city
ways, where Man’s threatening shadow
Red-edged by the sun
like Cain, has a changing shape
Elegant like the
Skeleton, crouched like the Tiger,
With the age-old
wisdom and aptness of the Ape.
The pulse that beats
in the heart is changed to the hammer,
That sounds in the
Potter’s Field. Where they build a
new world
From’ our Bone, and
the carrion-bird days’foul droppings
and clamour –
But you are my nigth,
and may peace –
The holy night of
conception, of rest, the consoling
Darkness when all men
are equal, – the wrong and the right,
And the rich and the
poor are no longer separate nations,
They are brothers in
night.”
This was the song I
heard. But the Bone is silente!
Who knows if the
sound was that of the dead light calling.
Of Caesar rolling
onward his heart, that stone,
Or the burden of
Atlas falling.
Músico de Rua
(Rui Carruço: artista
português)
Canção de Rua
“Ama-me o coração por
uma hora, mas meu osso por um dia...
O esqueleto pelo menos
sorri, pois tem um amanhã:
Mas os corações dos jovens
são agora o tesouro sombrio
da morte
E o verão é
solitário.
Conforta a luz
sozinha e o sol na sua mágoa,
Vem como a noite pois
o sol é terrível
Como a verdade e a
luz moribunda mostra apenas a
Fome que o esqueleto
Tem pela paz, por sob
a carne como a rosa de verão.
Vem através da sombra
da morte como antes por entre ramos
De juventude vieste,
através da escuridão como um portal florido
Que leva ao paraíso,
longe da rua – tu, cidade
Não nascida,
entrevista pelos sem-lar, noite do pobre.
Caminhas pelas ruas
onde a sombra ameaçadora do homem,
De margens rubras
marcadas pelo sol como Caim, tem
forma variável,
Elegante como o
Esqueleto, agachada como o Tigre,
Com a velha sabedoria
e a eficiência do Macaco.
O pulso que bate no
coração se transmuda em martelo
Que ressoa em
Potters-Field onde erguem um novo mundo
Desde o nosso Osso e
dos dias de urubus com malcheirosos
restos e clamores...
Mas tu és minha noite
e minha paz,
A noite sagrada da
concepção, do repouso, da escuridão
Consoladora em que os
homens se igualam: o justo e o injusto.
O rico e o pobre; já
não sendo nações separadas,
Eles são irmãos na
noite.”
Esta foi a canção que
eu ouvi; mas o Osso cala!
Quem sabe se o som
era o da luz morta chamando,
Ou se era de César
rolando sobre seu coração – aquela pedra –
Ou se era o peso de
Atlas caindo?...
Referência:
SITWELL, Edith. Street
song / Canção de rua. Tradução de Jorge Wanderley. In: In: WANDERLEY, Márcia
Cavendish; FIALHO, Carlos Eduardo; CAVENDISH, Sueli (Orgs.). Do jeito delas:
vozes femininas de língua inglesa. Traduções de Jorge Wanderley. Rio de
Janeiro, RJ: 7Letras, 2008. Em inglês: p. 58 e 60; em português: p. 59 e 61.
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