Uma ira interna corroendo
a paz do falante, como árvore venenosa a se expandir e a dar frutos de maldade,
afastando-o das chances de um convívio amistoso com seu amigo: melhor seria
externar-lhe num diálogo franco, sem irritação ou voz enfática, o que necessita
de honesto contorno para que o relacionamento volte a ser positivo e sadio!
Afinal, raiva,
racionalizações, explosões de agressividade não são meio para uma hígida
comunicação, tampouco o silêncio remoído por ressentimentos, gana por revides, ações
à socapa: os amigos se unem pelo que há em comum em seus modos de ser, estando
à volta tudo o mais que cada qual deve respeitar diante da autonomia e das singularidades
do outro.
Comentário do poema por
Gilberto Sorbini e
Weimar de Carvalho
Aqui encontramos uma
poderosa acusação a respeito da narrativa bíblica da “queda do paraíso”,
através de uma interpretação alegórica da fábula. O emprego figurado do título
“Uma Árvore Venenosa” ilustra convenientemente o radical princípio moral da
repressão psicológica (as impostas dicotomias).
Se ignorarmos o
título, não percebemos a presença do símbolo da árvore até que a maçã seja
mencionada. O inimigo parece merecer o que recebe, pois invade o pomar com
intenções escusas. Ele não deseja neutralizar a maçã, mas destruí-la, pois
inveja o narrador, possuidor do fruto. No entanto, a maçã é como uma “faca de
dois gumes”: ambos os personagens (o narrador e seu inimigo) se mantêm em
silêncio. Um não conhece a ira do outro e ambos acabam lesados, A menção direta
à árvore surge somente na última linha: talvez devêssemos interpretar os versos
como um contramito que expõe a narrativa bíblica da “queda" como sendo uma
fraude, revelando uma origem mais verdadeira para o mito da “Árvore do
Conhecimento do Bem e do Mal". O poema como um todo pode também
estabelecer uma ligação com o físico inglês Isaac Newton, a quem Blake
criticava por suas ideias puramente mecanicistas com relação ao universo,
negligenciando seus aspectos misteriosos e cientificamente inexplicáveis. Vale
lembrar que, de acordo com a história sobre como Newton concebera a teoria da lei
da gravidade, este se encontrava sentado sob uma macieira quando um fruto
despenca da árvore e o atinge na cabeça. Outra possível referência é o mito de
Buda, que atingira a iluminação à sombra de uma árvore. (BLAKE, 2005, p.
148-149)
J.A.R. – H.C.
William Blake
(1757-1827)
A Poison Tree
I was angry with my
friend;
I told my wrath, my
wrath did end.
I was angry with my
foe:
I told it not, my
wrath did grow.
And I waterd it in
fears,
Night & morning
with my tears:
And I sunned it with
smiles,
And with soft
deceitful wiles.
And it grew both day
and night.
Till it bore an apple
bright.
And my foe beheld it
shine,
And he knew that it
was mine.
And into my garden
stole,
When the night had
veild the pole;
In the morning glad I
see;
My foe outstretched
beneath the tree.
In: “Songs of
Experience” (1794)
O Jardim do Éden
(Cole Thomas: pintor
inglês)
Uma Árvore Venenosa
Um amigo meu me
magoou:
Ao contar-lhe, a ira
passou.
Magoei-me com um
inimigo meu:
Nada lhe disse, e ela
cresceu.
E a reguei com
covardia
E com lágrimas, noite
e dia;
Com risos banhei-a,
contente,
Suave e
ardilosamente.
E ela crescia a cada
instante
Até parir maçã
brilhante
Que lustrosa, o
inimigo queria,
Sabendo que a mim pertencia.
Furtivo, invadiu meu
pomar
Ao cair da noite
estelar:
De manhã, rio do
inimigo,
Que sob a árvore fez
jazigo.
Em: “Canções da Experiência”
(1794)
Referência:
BLAKE, William. A
poison tree / Uma árvore venenosa. Tradução de Gilberto Sorbini e Weimar de
Carvalho. In: __________. Canções da inocência e canções da experiência.
Edição bilíngue comentada. Tradução, textos introdutórios e comentários de
Gilberto Sorbini e Weimar de Carvalho. São Paulo, SP: Disal, 2005. Em inglês:
p. 125; em português: p. 124.
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