Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 13 de março de 2022

Geraldo Reis - Ouro Preto/Vila Rica

Com dísticos anafóricos alusivos à Vila Rica e a Ouro Preto – a mesma e assaz preservada cidade histórica de Minas Gerais, convolada de um nome a outro no ano imediato ao da independência do país –, transcrevem-se abaixo três das seções do premiado poemário “Pastoral de Minas” (1981), de autoria do poeta ouro-pretano.

 

Vila Rica aflora, borbulha em Ouro Preto, porque as palavras, as ideias, o passado têm poderes! Eis o motivo de a comoção dos inconfidentes ainda pairar naquele cenário de arquitetura barroca, a par com a invocação lapidária de Virgílio: “Libertas quae sera tamen”. E no monumento central do burgo, na Praça Tiradentes, uma ostensiva epígrafe anamnésica rejeita quaisquer pretensões de olvido: “Aqui, em poste de ignomínia, esteve exposta a sua cabeça”.

 

“Canta a tua aldeia e serás universal”, teria dito Tolstói. Nessa toada, o poeta faz ecoar não apenas lastros tangíveis da realidade em Minas, senão também o que há de intangível no ser mineiro, suas representações, sentimentos, pasmos, inspirações.

 

A doçura melancólica – algo hierática – das paisagens onduladas, o patrimônio imaterial de uma época, a fantasia imaginativa, o espaço para a sugestão, a inventividade no arranjo das palavras, tudo conspira para que a poesia se nos ofereça por meio desse impulso vital que é dado ao poeta expressar.

 

J.A.R. – H.C.

 

Geraldo Reis

(n. 1949)

 

Ouro Preto/Vila Rica

 

21

 

ouro preto raiando de tarde e outono

vila rica ladeira cochilo e ressono

 

ouro preto a cidade e o lombo da mula

vila rica eriçada nas eras da bula

 

ouro preto cantiga de avante menino

vila rica amanhando em redobres de sino

 

ouro preto coitada com a foice do embromo

vila rica aviltando a coceira do logro

 

ouro preto a viagem na fala do vento

vila rica apitando a mostragem do tempo

 

ouro preto saída de doidas esperas

vila rica sabida de suas quimeras

 

ouro preto a carranca avançando no escuro

vila rica o arremedo na fala do cura

 

ouro preto despida a carcaça do siso

vila rica erradia de fada e aviso

 

ouro preto memória e ressaibo e ventura

vila rica garupa de coice e agrura

 

ouro preto aviando escondidas receitas

vila rica de esguia escondendo a colheita

 

Ouro Preto

(Luís Cláudio Morgilli: pintor paulista)

 

23

 

ouro preto no dedo de dura cantiga

vila rica gerada na boca da intriga

 

ouro preto a espera a farsa o momento

vila rica de pombos gorados no vento

 

ouro preto hasteando a bandeira do mundo

vila rica embalada em ressono profundo

 

ouro preto arengando detrás das janelas

vila rica evitando a razão da remela

 

ouro preto balida na pedra e no luto

vila rica saída do peito do bruto

 

ouro preto sabida de mêmora sorte

vila rica parida na pausa da morte

 

ouro preto aleijada de século-olho

vila rica cabeça de malho e repolho

 

ouro preto puída de tarde e escombro

vila rica levando essas minas no ombro

 

Vila Rica

(Thomas Ender: pintor austríaco)

 

26

 

ouro preto a história na testa do touro

vila rica a memória da lenda e do ouro

 

ouro preto o quinhão do atropelo noturno

vila rica malhando a ração do futuro

 

ouro preto escutando o murmúrio dos nobres

vila rica remida na pele dos pobres

 

ouro preto a rasura na linha da sorte

vila rica a postura no punho da morte

 

ouro preto assombrada de sustos e pausas

vila rica algemada no azougue das auras

 

ouro preto o fastio e o renego dos lanhos

vila rica de outras manhãs e antanhos

 

ouro preto morgada de peso e tortura

vila rica a cabeça e a triste moldura

 

ouro preto cozida na trempe de outrora

vila rica ensinando a cantiga de agora

 

Referência:

 

REIS, Geraldo. Ouro Preto/Vila Rica, seções de nºs 21, 23 e 26. In: __________. Pastoral de Minas. Prefácio de Paschoal Mota. Belo Horizonte, MG: Editora Comunicação & Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, da Prefeitura de Belo Horizonte, 1981. Seção 21: p. 56-57; seção 23: p. 59; e seção 26: p. 62.

Um comentário:

  1. Só um J. A. Rodrigues para ressuscitar o velho PASTORAL DE MINAS... Agradeço-lhe pela distinção, pelo destaque, pelo prestígio enfim... E agradeço à poesia que colocou no meu caminho esse intérprete que é preciso na leitura e interpretação dos poemas aqui publicados. Registro a emoção e a alegria de ter sido premiado com a publicação no seu blog.Um dia a gente vai se conhecer ainda pessoalmente... Deixo-lhe um forte abraço poético e barroco e, é claro, minha gratidão. Muito obrigado.

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