Tem-se aqui mais um poema
do poeta místico sufi Rumi, falando-nos de um dia fora do tempo e do espaço –
alheio a qualquer calendário, portanto –, como se nele estivessem suspensas
quaisquer manifestações do viver e do morrer: um dia de deleite, com música
suave e vinho para produzir os seus efeitos sobre a mente dos que o sorvem, cujos
pensamentos e imaginação acabam por abreviar o curso até a totalidade da luz
desse dia.
Um dia alheio ao
calendário tornar-se-ia o oposto do burburinho a que somos lançados no
quotidiano, quando não há muito espaço para mantermos a conexão com nosso “eu-superior”,
um ideal a realizar de autoconhecimento e consciência, mobilizador de nossas
energias espirituais no decorrer da longa romagem a nos ombrear aos arquétipos
da perfeição humana.
J.A.R. – H.C.
Jalal ud-Din Rumi
(1207-1273)
Not a Day on a
Calendar
Spring, and
everything outside is growing,
even the tall cypress
tree.
We must not leave
this place.
Around the lip of the
cup we share, these words,
My Life Is Not Mine.
If someone were to
play music, it would have to be
very sweet.
We’re drinking wine,
but not through lips.
We’re sleeping it
off, but not in bed.
Rub the cup across
your forehead.
This day is outside
living and dying.
Give up wanting what
other people have.
That way you’re safe.
“Where, where can I
be safe?” you ask.
This is not a day for
asking questions,
not a day on any
calendar.
This day is conscious
of itself.
This day is a lover,
bread, and gentleness,
more manifest than
saying can say.
Thoughts take form
with words,
but this daylight is
beyond and before
thinking and
imagining. Those two,
they are so thirsty,
but this gives smoothness
to water. Their
mouths are dry, and they are tired.
The rest of this poem
is too blurry
for them to read.
A Carícia
(Mary Cassatt:
pintora norte-americana)
Um Dia Fora do
Calendário
Primavera, e tudo lá
fora está crescendo,
inclusive o alto
cipreste.
Não devemos deixar
este lugar.
Ao redor da borda da
taça que partilhamos,
estas palavras,
Minha vida não é
minha.
Se alguém tivesse que
tocar música, haveria de ser
bem suave.
Estamos bebendo
vinho, mas não através dos lábios.
Estamos dormindo para
aplacar a embriaguez,
mas não no leito.
Roça a taça em tua fronte.
Este dia está fora do
viver e do morrer.
Desiste de querer o
que têm as outras pessoas.
Assim estarás a salvo.
“Onde, onde é que
posso estar a salvo?”, perguntas.
Este não é um dia
para se fazer perguntas,
nem um dia em um
calendário qualquer.
Este dia é consciente
de si mesmo.
Este dia é um amante,
é pão e é gentileza,
mais manifesto do que
se é capaz de o descrever.
Os pensamentos tomam
forma com as palavras,
Mas esta luz do dia
está além e aquém
do pensamento e da
imaginação. Esses dois
estão tão sedentos,
mas isso dá suavidade
à agua. Secas estão
suas bocas e eles
sentem-se cansados.
O resto deste poema se lhes afigura bastante desfocado
para que sejam
capazes de o ler.
Referência:
RUMI, Jalal ud-Din. Not
a day on a calendar. In: __________. The essential Rumi: rough metaphors
– more teaching stories. Translations by Coleman Barks with John Moyne, A. J.
Arberry and Reynold Nicholson. Edison, NJ: Castle Books, 1997. p. 41-42.
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