Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 10 de março de 2022

Francisco Carvalho - Arquivo Morto

A voz lírica ressoa como um arquivo morto, mas, paradoxalmente, ainda a produzir efeitos, pois que muito se assemelha a arquétipos, transportadores do passado ao futuro, de memórias coletivas ou mesmo individuais, ou ainda, de fractais com um repertório rico de padrões culturais representados por seus símbolos, linguagens, modos de ser.

 

Tal é o motivo de o falante apresentar a aptidão de estar em todos os pontos focais da seta do tempo, idem em seu poder de ubiquidade, impregnando o seu discurso com vaticínios à maneira de Javé no Pentateuco, arquitetando milagres no quotidiano de um povo, incapaz de percebê-los em tudo quanto representa o próprio mundo natural.

 

Antes de mais nada, cumpre sublinhar o que há de rigor, obstinado rigor, na poesia de Francisco Carvalho, na qual impera, soberana, a grave e harmoniosa comunhão entre forma e fundo, entre o que e o como da expressão poética.

Ivan Junqueira

(apud RODRIGUES; MAIA, 2001, p. 205)

 

J.A.R. – H.C.

 

Francisco Carvalho

(1927-2013)

 

Arquivo Morto

 

Sou o passado e o presente

sou também o futuro.

Os dias que se vão desfolhando

em plumagem dourada.

 

Sou a sombra da árvore onde

as feras repousam.

O rastro que os ventos apagaram

mas continua palpitando

nas artérias da luz.

 

Sou o passado submerso na pele.

A porta do futuro que

se abre aos fantasmas expulsos

de suas tumbas demolidas.

Sou o futuro e sua nau

de fogo boiando nas águas do dilúvio.

 

Estarei convosco quando o futuro

chegar com a sua túnica

de profeta indignado. E quando

suas palavras forem mais

terríveis do que um punhal cravado

no peito do inimigo.

 

O Velho Peregrino

(Pietro Bellotti: pintor italiano)

 

Referência:

 

CARVALHO, Francisco. Arquivo morto. In: RODRIGUES, Claufe; MAIA, Alexandra (Orgs.). 100 anos de poesia: um panorama da poesia brasileira do século XX. Vol. I. Rio de Janeiro, RJ: O Verso Edições, 2001. p. 205.

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