A voz lírica ressoa
como um arquivo morto, mas, paradoxalmente, ainda a produzir efeitos, pois que
muito se assemelha a arquétipos, transportadores do passado ao futuro, de
memórias coletivas ou mesmo individuais, ou ainda, de fractais com um
repertório rico de padrões culturais representados por seus símbolos, linguagens,
modos de ser.
Tal é o motivo de o
falante apresentar a aptidão de estar em todos os pontos focais da seta do
tempo, idem em seu poder de ubiquidade, impregnando o seu discurso com
vaticínios à maneira de Javé no Pentateuco, arquitetando milagres no quotidiano
de um povo, incapaz de percebê-los em tudo quanto representa o próprio mundo natural.
Antes de mais nada,
cumpre sublinhar o que há de rigor, obstinado rigor, na poesia de Francisco
Carvalho, na qual impera, soberana, a grave e harmoniosa comunhão entre forma e
fundo, entre o que e o como da expressão poética.
Ivan Junqueira
(apud RODRIGUES;
MAIA, 2001, p. 205)
J.A.R. – H.C.
Francisco Carvalho
(1927-2013)
Arquivo Morto
Sou o passado e o
presente
sou também o futuro.
Os dias que se vão
desfolhando
em plumagem dourada.
Sou a sombra da
árvore onde
as feras repousam.
O rastro que os
ventos apagaram
mas continua
palpitando
nas artérias da luz.
Sou o passado
submerso na pele.
A porta do futuro que
se abre aos fantasmas
expulsos
de suas tumbas
demolidas.
Sou o futuro e sua
nau
de fogo boiando nas
águas do dilúvio.
Estarei convosco
quando o futuro
chegar com a sua
túnica
de profeta indignado.
E quando
suas palavras forem
mais
terríveis do que um
punhal cravado
no peito do inimigo.
O Velho Peregrino
(Pietro Bellotti:
pintor italiano)
Referência:
CARVALHO, Francisco.
Arquivo morto. In: RODRIGUES, Claufe; MAIA, Alexandra (Orgs.). 100 anos de
poesia: um panorama da poesia brasileira do século XX. Vol. I. Rio de
Janeiro, RJ: O Verso Edições, 2001. p. 205.
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