Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 20 de março de 2022

César Vallejo - Os Dados Eternos

O falante dirige-se a Deus, repassando-lhe reclamos diante das injustiças que assolam o ser humano, dos sofrimentos a que este está exposto – e não só os do corpo, como também os da alma –, corolário de seu jogo de dados sobre a criação, sem manifestação de quaisquer sentimentos – possivelmente de comiseração em razão de tais provações –, por parte da Suprema Potestade.

 

Tanta é a angústia revelada por Vallejo diante dessa distinção entre a nossa natureza e a de Deus, que acaba por mortificar-se à maneira de um condenado, revelando-lhe a concepção pessimista e trágica da vida, muito embora, por mais paradoxal que isso possa parecer, com o potencial para revelar o divino no próprio homem, mediante as suas fraquezas, assim como o afirma o Apóstolo Paulo em (2 Co 12:10): “Pois, quando sou fraco é que sou forte”!

 

J.A.R. – H.C.

 

César Vallejo

(1892-1938)

 

Los Dados Eternos

 

Para Manuel González Prada esta emoción bravia y

selecta, una de las que, con más entusiasmo, me ha

aplaudido el gran maestro.

 

Dios mío, estoy llorando el ser que vivo;

me pesa haber tomádote tu pan;

pero este pobre barro pensativo

no es costra fermentada en tu costado:

tú no tienes Marías que se van!

 

Dios mío, si tú hubieras sido hombre,

hoy supieras ser Dios;

pero tú, que estuviste siempre bien,

no sientes nada de tu creación.

Y el hombre sí te sufre: el Dios es él!

 

Hoy que en mis ojos brujos hay candelas,

como en un condenado,

Dios mío, prenderás todas tus velas,

y jugaremos con el viejo dado...

Talvez ¡oh jugador! al dar la suerte

del universo todo,

surgirán las ojeras de la Muerte,

como dos ases fúnebres de lodo.

 

Dios mío, y esta noche sorda, oscura,

ya no podrás jugar, porque la Tierra

es un dado roído y ya redondo

a fuerza de rodar a la aventura,

que no puede parar sino en un hueco,

en el hueco de inmensa sepultura.

 

En: “Los Heraldos Negros” (1918)

 

Os Jogadores de Dados

(Georges de La Tour: pintor francês)

 

Os Dados Eternos

 

Deus meu, estou a chorar o ser que vivo;

pesa-me ter tomado já teu pão;

mas este pobre barro pensativo

não é crosta fermentada no teu lado:

tu não possuis Marias que se vão!

 

Deus meu, se tivesses sido homem,

saberias ser Deus hoje;

mas tu, que procedeste sempre bem,

nada sentes da tua criação.

E por ti o homem sofre: o Deus é ele!

 

Hoje que em meus olhos bruxos há candeias

como num condenado,

Deus meu, acenderás as tuas velas

e jogaremos com o velho dado...

Talvez, oh jogador!, ao dar a sorte

do universo todo,

ante nós surjam as olheiras da Morte

como duas asas fúnebres de lodo.

 

Deus meu, e esta noite surda, escura,

não poderás jogar, pois toda a Terra

é um dado roído e já redondo

por tanto ter rolado à aventura,

e que não para a não ser num vazio,

no vazio de uma imensa sepultura.

 

Em: “Os Arautos Negros” (1918)

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

VALLEJO, César. Los dados eternos. In: __________. Obra poética completa. Edición, prólogo y cronología por Enrique Ballón Aguirre. 2. reimp. Caracas, VE: Biblioteca Ayacucho, 2015. p. 41. (Colección ‘Clásica’; n. 58)

 

Em Português

 

VALLEJO, César. Los dados eternos. Tradução de José Bento. In: __________. César Vallejo: antologia. Selecção, tradução e prólogo de José Bento. 1. ed. Porto, PT: Editora Limiar, nov. 1981. p. 21. (Colecção ‘Os Olhos e a Memória’; n. 16)

Nenhum comentário:

Postar um comentário