Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 7 de março de 2022

Reynaldo Valinho Alvarez - A Mochila

Percebem-se, nestas linhas, pelo menos duas menções incidentais do poeta carioca a criações de terceiros, nomeadamente, ao poema “A terra devastada”, de T. S. Eliot”, e ao soneto “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, de Camões. Quanto às “três ou quatro verdades importantes” que o vate carrega, apesar de presumivelmente rematadas ao seu próprio alvedrio, fazem-me lembrar – já com alguma margem especulativa de minha parte – às “Quatro nobres verdades”, de Buda.

 

Veem-se esmero e acribia nos versos decassílabos e nas rimas de Alvarez, tornando o soneto, a par das precitadas intertextualidades, um fino exemplar daquilo que, a despeito da baliza tetradecalinear da aludida forma fixa, se pode levar a efeito com beleza e sentido – em clara oposição a poemas de caudal verborrágico e cansativo pelos quais se esmeram alguns poetas.

 

Poeta de formação erudita e atávicos vínculos ibéricos (...), a dicção de Valinho se distingue pelo estilo e pela pureza de linguagem às vezes lusitana, traços que, associados ao equilíbrio formal e à reflexão filosófica, fazem dele um clássico.

Astrid Cabral

(apud RODRIGUES; MAIA, 2001, p. 73)

 

J.A.R. – H.C.

 

Reynaldo Valinho Alvarez

(1931-2021)

 

O tempo, o mundo e a poesia: o canto

ilumina a verdade e acende o espanto.

 

A Mochila

 

Carrego na mochila, entre outros trastes,

três ou quatro verdades importantes.

O resto é de mentiras. São contrastes

que entrego às outras partes contrastantes.

A lira não me vale. São desastres

o que encontro nos outros caminhantes.

Na terra devastada, erguem-se as hastes

das lanças e dos canos fumegantes.

A mochila me pesa. As três verdades

ou quatro, já não sei, não pesam tanto,

mude-se o tempo e mudem-se as vontades.

O que me dói ou pesa, ou o que é um espanto

é que um modesto grama de inverdades

valha um tonel de torpe desencanto.

 

Garoto no Celeiro

(Autoria Desconhecida)

 

Referência:

 

ALVAREZ, Reynaldo Valinho. A mochila. In: RODRIGUES, Claufe; MAIA, Alexandra (Orgs.). 100 anos de poesia: um panorama da poesia brasileira do século XX. Vol. II. Rio de Janeiro, RJ: O Verso Edições, 2001. p. 73.

2 comentários:

  1. Alegria de encontrar, vivo nos versos precisos do poema, Reynaldo Valinho Alvarez. Grande poeta! Trocávamos figurinhas, vez por outra, poucas. e nunca nos encontramos... Vê-lo eternizado nesse "blog de responsa" é um prêmio que ele recebe. Valho-me dessa oportunidade e recebo por ele essa comenda. Em nome dele e em nome da poesia: Ao BLOG DO CASTORP, muito obrigado. Méritos que vão, por igual, para o brilhante leitor e editor do blog, João A. Rodrigues. (Geraldo Reis: O SER SENSÍVEL) - Belo Horizonte/MG, 18/08/2024.

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    1. Prezado Geraldo: eu que tenho a lhe agradecer pelas palavras! J. A. Rodrigues

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