Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 19 de março de 2022

José Arthur Rios - Gioconda

Neste poema, em formato tradicional de soneto, mas sem rima ou métrica definida, Rios apreende policromias, redes de significados, teias de sentidos para as linhas do rosto da Mona Lisa, e até mais, considerando os rios, montanhas e formações lacustres que lhe estão à volta, no plano da tela, moldando, com efeito, um fundo algo místico, de onde outras tantas inspirações saltam a ebulir na enlevada mente da voz lírica.

 

Quanta diferença há entre a alocução aprazível de um poeta sobre uma obra de arte e a fria análise técnica de um especialista ou crítico de arte, como o vienense Ernst H. J. Gombrich (1909-2001)! Tudo se deve ao fato de que, no primeiro caso, não se saiu do domínio da própria arte – pintura x literatura –, sendo a segunda, no caso, uma espécie de “paráfrase” e de “perífrase” à primeira, lançando mão dos recursos que lhe são próprios, digo melhor, atinentes à arte poética.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Arthur Rios

(1921-2017)

 

Gioconda

 

Teu mistério cresce, intenso, e nos devora

Mortal de indeciso outono e noite erma

Herdeira do nada, anunciadora do efêmero

Prisioneira da translúcida paisagem

 

Tua boca, berço de estranhos vaticínios,

Guarda velha promessa, prenúncio pagão

Da idade de ouro e seus átrios luminosos

Voto selado na fronte de alabastro

 

Em teu sorriso o segredo das auroras,

Jardins proibidos, flora lunar,

Tecida de gritos e espasmos, envenenada

 

De filtros sem retorno, mármore inviolado

Onde rebenta a vaga de profundo mar,

Em risos, antigos ritos e corais.

 

Gioconda

(Leonardo da Vinci: pintor italiano)

 

Referência:

 

RIOS, José Arthur. Gioconda. In: __________. Câmara escura: poemas. Rio de Janeiro, GB: Editora Pongetti, 1972. p. 48.

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