Neste poema, em formato
tradicional de soneto, mas sem rima ou métrica definida, Rios apreende policromias,
redes de significados, teias de sentidos para as linhas do rosto da Mona Lisa,
e até mais, considerando os rios, montanhas e formações lacustres que lhe estão
à volta, no plano da tela, moldando, com efeito, um fundo algo místico, de onde
outras tantas inspirações saltam a ebulir na enlevada mente da voz lírica.
Quanta diferença há
entre a alocução aprazível de um poeta sobre uma obra de arte e a fria análise
técnica de um especialista ou crítico de arte, como o vienense Ernst H. J.
Gombrich (1909-2001)! Tudo se deve ao fato de que, no primeiro caso, não se saiu
do domínio da própria arte – pintura x literatura –, sendo a segunda, no caso,
uma espécie de “paráfrase” e de “perífrase” à primeira, lançando mão dos
recursos que lhe são próprios, digo melhor, atinentes à arte poética.
J.A.R. – H.C.
José Arthur Rios
(1921-2017)
Gioconda
Teu mistério cresce,
intenso, e nos devora
Mortal de indeciso
outono e noite erma
Herdeira do nada,
anunciadora do efêmero
Prisioneira da
translúcida paisagem
Tua boca, berço de
estranhos vaticínios,
Guarda velha
promessa, prenúncio pagão
Da idade de ouro e
seus átrios luminosos
Voto selado na fronte
de alabastro
Em teu sorriso o
segredo das auroras,
Jardins proibidos,
flora lunar,
Tecida de gritos e
espasmos, envenenada
De filtros sem retorno,
mármore inviolado
Onde rebenta a vaga
de profundo mar,
Em risos, antigos
ritos e corais.
Gioconda
(Leonardo da Vinci:
pintor italiano)
Referência:
RIOS, José Arthur.
Gioconda. In: __________. Câmara escura: poemas. Rio de Janeiro, GB:
Editora Pongetti, 1972. p. 48.
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