Este é um dos cinco poemas
traduzidos pelo poeta Augusto de Campos, insertos na seção “Retrato de Maiakóvski
Quando Jovem” da obra em referência, subtítulo que, parodiando o do renomado
trabalho de Joyce, permite se inferir que digam respeito a composições – como
se diria? – da primeira fase da vida do poeta e dramaturgo russo.
As quatro quadras
rimadas distanciam-se bastante das formas abertas e particionadas em versos
livres, mais comuns em suas obras pósteras, muito embora já possam ser
entrevistos nestes versos os jogos de palavras, as imagens inusitadas e os
experimentos linguísticos tão afeitos à linha futurista que o poeta mais tarde
abraçaria.
As metáforas empregadas
por Maiakóvski nem sempre se mostram claras ao leitor. Nada obstante, bem se percebe
o tema maior do poema, o da solidão, em meio a um ambiente citadino rumoroso,
no qual se pinta a noite não em sua pátina romântica, senão em suas gradações
luxuriosas.
J.A.R. – H.C.
Vladimir Maiakóvski
(1893-1930)
Ночь
Багровый и белый отброшен и скомкан,
в зелёный бросали горстями дукаты,
а чёрным ладоням сбежавшихся окон
раздали горящие жёлтые карты.
Бульварам и площади было не странно
увидеть на зданиях синие тоги.
И раньше бегущим, как жёлтые раны,
огни обручали браслетами ноги.
Толпа – пестрошёрстая быстрая кошка –
плыла, изгибаясь, дверями влекома;
каждый хотел протащить хоть немножко
громаду из смеха отлитого кома.
Я, чувствуя платья зовущие лапы,
в глаза им улыбку протиснул; пугая
ударами в жесть, хохотали арапы,
над лбом расцветивши крыло попугая.
1912
Pesca noturna em
Antibes
(Pablo Picasso: pintor
espanhol)
Noite
Roxos e brancos foram
descartados,
sobre o verde jogaram
um monte de ducados,
e nas palmas negras
das mãos das janelas,
distribuíram
incendiárias cartas amarelas.
Avenidas e praças não
pareciam surpreendidas
ao vislumbrarem togas
azuis sobre as casas.
E fogos cercavam de
braceletes, como feridas
amarelas, pernas que
há pouco tinham asas.
A turba – gato
furtivo de pelo multicor –
flutuava, sinuosa, em
busca de portas-guizo;
todos queriam tirar
um pouco do calor
da enorme bola
rolante do riso.
Ao apelo de vestes
que pediam patas,
infiltrei em seus
olhos um sorriso gaio;
negros gaiatos
gargalharam batendo latas,
e em suas frontes
floriam asas de papagaio.
1912
Referência:
MAIAKÓVSKI, Vladimir.
Ночь / Noite. Tradução de Augusto de Campos. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira
argenta: poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio
Negro, 2017. Em russo: p. 236; em português: p. 237.
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