Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 11 de março de 2022

Moische Leib Halpern - Minha Inquietação de Lobo

O título deste poema – mas não propriamente o seu conteúdo – trouxe-me à mente, por “livre associação”, a famosa história do sonho de infância do aristocrata russo Sergei K. Pankejeff (1886-1979), analisado por Freud (1856-1939): na noite anterior ao seu quarto aniversário, Pankejeff sonhou que estava deitado em seu leito quando, de repente, a janela se abriu e, através dela, viu seis ou sete lobos brancos sentados em uma árvore do lado de fora do quarto, com os olhos fixos nele, levando-o a aterrorizar-se e a acordar aos gritos. Para os interessados na interpretação que Freud atribuiu ao caso, sugiro a leitura de “História de uma neurose infantil: o homem dos lobos”, em qualquer edição, de autoria do psicanalista austríaco.

 

Voltando ao poema, depois dessa longa digressão: são treze conjunto de díades sequenciais, com rimas parelhas, numa elocução que tenta abranger muito das experiências de “ser” e “estar” de um ser humano, por vezes em desconcertantes confrontações – a terem início pela identificação em ser “lobo inquieto” e “urso tranquilo”. Deveras, o falante quase se parece a Krisna em sua dicção panteísta, no Bhagavad Gîtâ.

 

J.A.R. – H.C.

 

Moische Leib Halpern

(1886-1932)

 

Restless as a Wolf (1)

 

Restless as a wolf, and restful as a bear,

The savage shouts in me, boredom lends an ear.

I am not what I think, I am not what I will.

I am the magician, and I am the magical.

I am a mystery that wearies its own bones,

Agile as the wind, and anchored to a stone.

I am the summer sun. I am the winter cold.

I am the rich fop who scatters coins of gold. (2)

I am the tough who saunters, cap thrust on a side,

And, whistling, steals away his own precious time.

I am the violin, the flute, too, and the bass

Of three old musicians, playing in the market place.

I am the children’s dance, and in the light of the moon,

I am the fool who longs for the far-off land of blue.

And when I pass by a tumbledown old house,

I am the desolation there that stares out.

Now am I the terror, without, before my door.

The open hole that’s waiting for me on the moor.

Now am I a candlelight that burns memorial

Superfluous, a print on gray-dust-covered walls.

Now am I the heart – the sad look of woe

That has longed for me a hundred years ago.

Now am I the night that bids me to be done,

The heavy twilight mist, the quiet evening song.

The star overhead up on high, far, remote,

The rustle of a tree, a bell’s peal, smoke...

 

(Translated from Iídiche to English by Jacob Sloan)

 

Visão dos Lobos

(Denton Lund: artista norte-americano)

 

Minha Inquietação de Lobo

 

Do lobo a inquietação, e do urso a minha calma,

Grita a selvageria, e escuta o tédio, na alma.

Não sou o que desejo, nem sou meu pensamento,

Eu sou o encantador e sou o encantamento.

Eu sou uma charada que busca seu segredo,

Ligeiro mais que o vento, e atado a um rochedo.

Eu sou sol de verão e sou de inverno o frio,

Sou o que esbanja, o que ao ouro renuncio.

Rapaz – boné à banda – que passeia a esmo

E furta aos assobios o tempo a si mesmo.

O violino, o pandeiro, e ainda o contrabaixo

Dos três músicos velhos na calçada, embaixo.

Sou a roda infantil, e ao clarão do luar,

O néscio com o país azul, tolo, a sonhar.

E se encontro uma casa em escombros desfeita,

Também sou o abandono que de lá me espreita.

E o sobressalto sou, que a minha porta guarda.

E ainda a cova aberta, que o meu corpo aguarda.

Eu sou a vela acesa em memória a finados.

Sou o quadro supérfluo, em muros empoeirados.

E sou o coração – a tristeza no olhar –

Há cem anos atrás por mim a suspirar.

Agora, sou a noite que a fadiga envia,

A nuvem carregada e a noturna harmonia,

A estrela que na altura a trajetória traça,

Rumorejo de árvore, sino, fumaça.

 

Notas:

 

(1). O original em iídiche deste poema pode ser aqui encontrado; o poeta, nascido a 2.1.1886, em Zolochiv, cidade hoje pertencente ao território ucraniano, veio a falecer em Nova Iorque (EUA), em 31.8.1932.

 

(2). Não consta na tradução ao português, elaborada pela Profa Paula Beiguelman – provavelmente por problema de revisão na obra em referência, editada por Jacob Guinsburg e Zulmira Ribeiro Tavares –, o verso de número 8 (oito). Como não encontrei na grande rede a transcrição do poema em epígrafe, com o objetivo de suprir a deficiência, e considerando que o contato com as mencionadas pessoas torna-se inviável pelo momento, pois que todas falecidas, interpus uma versão no local, em caráter precário, com o verso alexandrino que me foi possível conceber, buscando parelha com a rima à palavra posta “frio”, mantendo mais ou menos o sentido do verso em inglês – “Eu sou o rico janota que espalha moedas de ouro” –, ou mesmo em iídiche – “Eu sou o que esbanja, o que dilapida ouro”. Seja como for, caso algum internauta ou, quem sabe, os sucessores de tais ilustres pessoas venham a conhecer a forma como se redigira o verso faltante, em tradução da Profa Paula Beiguelman ao nosso idioma, disponho-me de bom grado a promover o necessário ajuste a esta postagem.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

HALPERN, Moische Leib. Restless as a wolf. Disponível neste endereço. Acesso em: 21 jan. 2022.

 

Em Português

 

HALPERN, Moische Leib. Minha inquietação de lobo. Tradução de Paula Beiguelman. In: GUINSBURG, J.; TAVARES, Zulmira Ribeiro (Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de Paulina Rabinovich. São Paulo, SP: Perspectiva, 1960. p. 384. (Coleção “Judaica”; v. 12)

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