O título deste poema –
mas não propriamente o seu conteúdo – trouxe-me à mente, por “livre associação”,
a famosa história do sonho de infância do aristocrata russo Sergei K. Pankejeff
(1886-1979), analisado por Freud (1856-1939): na noite anterior ao seu quarto
aniversário, Pankejeff sonhou que estava deitado em seu leito quando, de
repente, a janela se abriu e, através dela, viu seis ou sete lobos brancos
sentados em uma árvore do lado de fora do quarto, com os olhos fixos nele,
levando-o a aterrorizar-se e a acordar aos gritos. Para os interessados na
interpretação que Freud atribuiu ao caso, sugiro a leitura de “História de uma
neurose infantil: o homem dos lobos”, em qualquer edição, de autoria do
psicanalista austríaco.
Voltando ao poema,
depois dessa longa digressão: são treze conjunto de díades
sequenciais, com rimas parelhas, numa elocução que tenta abranger muito das
experiências de “ser” e “estar” de um ser humano, por vezes em desconcertantes confrontações
– a terem início pela identificação em ser “lobo inquieto” e “urso tranquilo”.
Deveras, o falante quase se parece a Krisna em sua dicção panteísta, no Bhagavad
Gîtâ.
J.A.R. – H.C.
Moische Leib Halpern
(1886-1932)
Restless as a Wolf (1)
Restless as a wolf,
and restful as a bear,
The savage shouts in
me, boredom lends an ear.
I am not what I
think, I am not what I will.
I am the magician,
and I am the magical.
I am a mystery that
wearies its own bones,
Agile as the wind,
and anchored to a stone.
I am the summer sun.
I am the winter cold.
I am the rich fop who
scatters coins of gold. (2)
I am the tough who
saunters, cap thrust on a side,
And, whistling,
steals away his own precious time.
I am the violin, the
flute, too, and the bass
Of three old
musicians, playing in the market place.
I am the children’s
dance, and in the light of the moon,
I am the fool who
longs for the far-off land of blue.
And when I pass by a
tumbledown old house,
I am the desolation
there that stares out.
Now am I the terror,
without, before my door.
The open hole that’s
waiting for me on the moor.
Now am I a candlelight
that burns memorial
Superfluous, a print
on gray-dust-covered walls.
Now am I the heart – the
sad look of woe
That has longed for
me a hundred years ago.
Now am I the night
that bids me to be done,
The heavy twilight
mist, the quiet evening song.
The star overhead up
on high, far, remote,
The rustle of a tree,
a bell’s peal, smoke...
(Translated from
Iídiche to English by Jacob Sloan)
Visão dos Lobos
(Denton Lund: artista
norte-americano)
Minha Inquietação de
Lobo
Do lobo a inquietação,
e do urso a minha calma,
Grita a selvageria, e
escuta o tédio, na alma.
Não sou o que desejo,
nem sou meu pensamento,
Eu sou o encantador e
sou o encantamento.
Eu sou uma charada
que busca seu segredo,
Ligeiro mais que o
vento, e atado a um rochedo.
Eu sou sol de verão e
sou de inverno o frio,
Sou o que esbanja, o
que ao ouro renuncio.
Rapaz – boné à banda –
que passeia a esmo
E furta aos assobios
o tempo a si mesmo.
O violino, o
pandeiro, e ainda o contrabaixo
Dos três músicos
velhos na calçada, embaixo.
Sou a roda infantil,
e ao clarão do luar,
O néscio com o país
azul, tolo, a sonhar.
E se encontro uma
casa em escombros desfeita,
Também sou o abandono
que de lá me espreita.
E o sobressalto sou,
que a minha porta guarda.
E ainda a cova aberta,
que o meu corpo aguarda.
Eu sou a vela acesa
em memória a finados.
Sou o quadro
supérfluo, em muros empoeirados.
E sou o coração – a
tristeza no olhar –
Há cem anos atrás por
mim a suspirar.
Agora, sou a noite
que a fadiga envia,
A nuvem carregada e a
noturna harmonia,
A estrela que na
altura a trajetória traça,
Rumorejo de árvore,
sino, fumaça.
Notas:
(1). O original em
iídiche deste poema pode ser aqui encontrado; o poeta,
nascido a 2.1.1886, em Zolochiv, cidade hoje pertencente ao território
ucraniano, veio a falecer em Nova Iorque (EUA), em 31.8.1932.
(2). Não consta na
tradução ao português, elaborada pela Profa
Paula Beiguelman – provavelmente por problema de revisão na obra em
referência, editada por Jacob Guinsburg e Zulmira Ribeiro Tavares –, o verso de
número 8 (oito). Como não encontrei na grande rede a transcrição do poema em
epígrafe, com o objetivo de suprir a deficiência, e considerando que o contato
com as mencionadas pessoas torna-se inviável pelo momento, pois que todas
falecidas, interpus uma versão no local, em caráter precário, com o verso
alexandrino que me foi possível conceber, buscando parelha com a rima à palavra
posta “frio”, mantendo mais ou menos o sentido do verso em inglês – “Eu sou o
rico janota que espalha moedas de ouro” –, ou mesmo em iídiche – “Eu sou o que
esbanja, o que dilapida ouro”. Seja como for, caso algum internauta ou, quem
sabe, os sucessores de tais ilustres pessoas venham a conhecer a forma como se
redigira o verso faltante, em tradução da Profa Paula Beiguelman ao
nosso idioma, disponho-me de bom grado a promover o necessário ajuste a esta
postagem.
Referências:
Em Inglês
HALPERN, Moische Leib.
Restless as a wolf. Disponível neste endereço. Acesso em: 21 jan.
2022.
Em Português
HALPERN, Moische Leib.
Minha inquietação de lobo. Tradução de Paula Beiguelman. In: GUINSBURG, J.;
TAVARES, Zulmira Ribeiro (Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de
Paulina Rabinovich. São Paulo, SP: Perspectiva, 1960. p. 384. (Coleção
“Judaica”; v. 12)
Nenhum comentário:
Postar um comentário