Neste diálogo, certamente
anedótico, entre Chuang – talvez o filósofo taoísta chinês Chuang Tzu (369 a.C. –
286 a.C.) – e um mestre que lhe foi contemporâneo, Tung Kwo – possivelmente um guerreiro
conterrâneo de biografia incerta –, são esgrimidas preleções sobre o seria e o
que não seria o Tao, ou mais precisamente, onde não o buscar, uma vez que ultrapassa
todas as categorias e todo dualismo.
É interessante constatar
que, nas obras de Merton – um monge trapista, católico portanto –, apareçam
tantas referências a doutrinas orientais, a exemplo do taoísmo, do confucionismo
e do budismo, como que a revelar um homem de espírito aberto em suas
investigações e experiências de vida, presumivelmente em busca de uma visão
conciliadora diante das inúmeras tradições sob as quais o espírito humano se
desdobra em face dos mistérios da existência.
J.A.R. – H.C.
Thomas Merton
(1915-1968)
Where Is Tao?
Master Tung Kwo asked
Chuang:
“Show me where the
Tao is found.”
Chuang Tzu replied:
“There is nowhere it
is not to be found.”
The former insisted:
“Show me at least
some definite place
Where Tao is found.”
“It is in the ant,”
said Chuang.
“Is it in some lesser
being?”
“It is in the weeds.”
“Can you go further
down the scale of things?”
“It is in this piece
of tile.”
“Further?”
“It is in this turd.”
At this Tung Kwo had
nothing more to say.
But Chuang continued:
“None of your questions
Are to the point.
They are like the questions
Of inspectors in the
market,
Testing the weight of
pigs
By prodding them in
their thinnest parts.
Why look for Tao by
going ‘down the scale of being’
As if that which we
call ‘least’
Had less of Tao?
Tao is Great in all
things,
Complete in all,
Universal in all,
Whole in all. These
three aspects
Are distinct, but the
Reality is One.
“Therefore come with
me
To the palace of
Nowhere
Where all the many
things are One:
There at last we
might speak
Of what has no
limitation and no end.
Come with me to the
land of Non-Doing:
What shall we there
say – that Tao
Is simplicity,
stillness,
Indifference, purity,
Harmony and ease? All
these names leave me
indifferent
For their
distinctions have disappeared.
My will is aimless
there.
If it is nowhere, how
should I be aware of it?
If it goes and
returns, I know not
Where it has been
resting. If it wanders
Here then there, I
know not where it will end.
The mind remains
undetermined in the great Void.
Here the highest
knowledge
Is unbounded. That
which gives things
Their thusness cannot
be delimited by things.
So when we speak of
‘limits,’ we remain confined
To limited things.
The limit of the
unlimited is called ‘fullness.’
The limitlessness of
the limited is called ‘emptiness.’
Tao is the source of
both. But it is itself
Neither fullness nor
emptiness.
Tao produces both
renewal and decay,
But is neither
renewal or decay.
It causes being and
non-being
But is neither being
nor non-being.
Tao assembles and it
destroys,
But it is neither the
Totality nor the Void.”
Agachado à beira
d’água
(Shitao: pintor
chinês)
Onde Está o Tao?
O mestre Tung Kwo
perguntou a Chuang:
“Mostra-me onde se
encontra o Tao”.
Chuang Tzu respondeu:
“Não há nenhum lugar
onde não possa
ser encontrado”.
O primeiro insistiu:
“Mostra-me pelo menos
algum lugar definido
Onde seja possível
encontrar o Tao”.
“Está na formiga”,
disse Chuang.
“Está em algum ser ainda
menor?”
“Está nas ervas
daninhas”.
“Poderias descer
ainda mais na escala das coisas?”
“Está neste pedaço de
telha”.
“Mais além?”
“Está neste esterco”.
Com isso, Tung Kwo
nada mais tinha a dizer.
Mas Chuang continuou:
“Nenhuma de suas perguntas
Vai direto ao ponto. São
como as perguntas
De inspetores no
mercado,
Testando o peso dos
porcos
Cutucando-os em suas
partes mais esguias.
Por que procurar o
Tao ‘descendo na escala do ser’,
Como se aquilo a que
chamamos ‘menos’
Tivesse menos Tao?
O Tao é Grande em
todas as coisas,
Completo em tudo,
Universal em tudo,
Inteiro em tudo.
Esses três aspectos
São distintos, porém
a Realidade é Una.
Por isso, vem comigo
Ao palácio de Nenhum
Lugar
Onde todas as muitas
coisas são apenas Uma:
Lá poderemos
finalmente conversar
Sobre o que não tem
limites e não tem fim.
Vem comigo até a
terra do Não-Fazer:
O que lá diremos –
senão que o Tao
É simplicidade,
quietude,
Indiferença, pureza,
Harmonia e tranquilidade?
Todos esses nomes
deixam-me
indiferente,
Pois suas distinções
desapareceram.
Lá, minha vontade não
tem sentido.
Se não está em lugar
nenhum, como devo estar
ciente disso?
Se vai e volta, não
sei
Onde tem estado a
vagar. Se põe-se a migrar
Daqui para ali, não
sei onde há de encerrar-se.
A mente permanece
indeterminada no grande Vazio.
Aqui, o conhecimento
mais elevado
Não tem limites. O
que dá às coisas os atributos
Definidores de suas
essências não pode ser delimitado
pelas coisas.
Assim, quando falamos
de ‘limites’, ficamos
confinados
A coisas limitadas.
O limite do ilimitado
chama-se ‘plenitude’.
O ilimitado do limitado
chama-se ‘vacuidade’.
O Tao é a fonte de
ambos. Mas ele mesmo
Não é nem plenitude
nem vacuidade.
O Tao produz tanto
renovação quanto decadência,
Mas não é nem
renovação nem decadência.
Ele é a causa do ser
e do não-ser,
Mas não é nem o ser
nem o não-ser.
O Tao aglutina e
destrói,
Mas não é nem a
Totalidade nem o Vazio.”
Referência:
MERTON, Thomas. Where
is tao? In: __________. In the dark before dawn: new selected poems of
Thomas Merton. Edited with an introduction and notes by Lynn R. Szabo. Preface
by Kathleen Norris. 1st publ. New York, NY: New Directions, 2005. p. 177-178.
P.s.: A rigor, o poema não saiu originalmente da pena de Thomas Merton, estando em inglês em face da tradução do monge trapista para um poema em chinês de Chuang Tzu, filósofo taoísta do século IV a.C.
ResponderExcluirJoão A. Rodrigues