Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 9 de março de 2022

Thomas Merton - Onde Está o Tao?

Neste diálogo, certamente anedótico, entre Chuang – talvez o filósofo taoísta chinês Chuang Tzu (369 a.C. – 286 a.C.) – e um mestre que lhe foi contemporâneo, Tung Kwo – possivelmente um guerreiro conterrâneo de biografia incerta –, são esgrimidas preleções sobre o seria e o que não seria o Tao, ou mais precisamente, onde não o buscar, uma vez que ultrapassa todas as categorias e todo dualismo.

 

É interessante constatar que, nas obras de Merton – um monge trapista, católico portanto –, apareçam tantas referências a doutrinas orientais, a exemplo do taoísmo, do confucionismo e do budismo, como que a revelar um homem de espírito aberto em suas investigações e experiências de vida, presumivelmente em busca de uma visão conciliadora diante das inúmeras tradições sob as quais o espírito humano se desdobra em face dos mistérios da existência.

 

J.A.R. – H.C.

 

Thomas Merton

(1915-1968)

 

Where Is Tao?

 

Master Tung Kwo asked Chuang:

“Show me where the Tao is found.”

Chuang Tzu replied:

“There is nowhere it is not to be found.”

The former insisted:

“Show me at least some definite place

Where Tao is found.”

“It is in the ant,” said Chuang.

“Is it in some lesser being?”

“It is in the weeds.”

“Can you go further down the scale of things?”

“It is in this piece of tile.”

“Further?”

“It is in this turd.”

At this Tung Kwo had nothing more to say.

But Chuang continued: “None of your questions

Are to the point. They are like the questions

Of inspectors in the market,

Testing the weight of pigs

By prodding them in their thinnest parts.

Why look for Tao by going ‘down the scale of being’

As if that which we call ‘least’

Had less of Tao?

Tao is Great in all things,

Complete in all, Universal in all,

Whole in all. These three aspects

Are distinct, but the Reality is One.

 

“Therefore come with me

To the palace of Nowhere

Where all the many things are One:

There at last we might speak

Of what has no limitation and no end.

Come with me to the land of Non-Doing:

What shall we there say – that Tao

Is simplicity, stillness,

Indifference, purity,

Harmony and ease? All these names leave me

indifferent

For their distinctions have disappeared.

My will is aimless there.

If it is nowhere, how should I be aware of it?

If it goes and returns, I know not

Where it has been resting. If it wanders

Here then there, I know not where it will end.

The mind remains undetermined in the great Void.

Here the highest knowledge

Is unbounded. That which gives things

Their thusness cannot be delimited by things.

So when we speak of ‘limits,’ we remain confined

To limited things.

The limit of the unlimited is called ‘fullness.’

The limitlessness of the limited is called ‘emptiness.’

Tao is the source of both. But it is itself

Neither fullness nor emptiness.

Tao produces both renewal and decay,

But is neither renewal or decay.

It causes being and non-being

But is neither being nor non-being.

Tao assembles and it destroys,

But it is neither the Totality nor the Void.”

 

Agachado à beira d’água

(Shitao: pintor chinês)

 

Onde Está o Tao?

 

O mestre Tung Kwo perguntou a Chuang:

“Mostra-me onde se encontra o Tao”.

Chuang Tzu respondeu:

“Não há nenhum lugar onde não possa

ser encontrado”.

O primeiro insistiu:

“Mostra-me pelo menos algum lugar definido

Onde seja possível encontrar o Tao”.

“Está na formiga”, disse Chuang.

“Está em algum ser ainda menor?”

“Está nas ervas daninhas”.

“Poderias descer ainda mais na escala das coisas?”

“Está neste pedaço de telha”.

“Mais além?”

“Está neste esterco”.

Com isso, Tung Kwo nada mais tinha a dizer.

Mas Chuang continuou: “Nenhuma de suas perguntas

Vai direto ao ponto. São como as perguntas

De inspetores no mercado,

Testando o peso dos porcos

Cutucando-os em suas partes mais esguias.

Por que procurar o Tao ‘descendo na escala do ser’,

Como se aquilo a que chamamos ‘menos’

Tivesse menos Tao?

O Tao é Grande em todas as coisas,

Completo em tudo, Universal em tudo,

Inteiro em tudo. Esses três aspectos

São distintos, porém a Realidade é Una.

Por isso, vem comigo

Ao palácio de Nenhum Lugar

Onde todas as muitas coisas são apenas Uma:

Lá poderemos finalmente conversar

Sobre o que não tem limites e não tem fim.

Vem comigo até a terra do Não-Fazer:

O que lá diremos – senão que o Tao

É simplicidade, quietude,

Indiferença, pureza,

Harmonia e tranquilidade? Todos esses nomes

deixam-me indiferente,

Pois suas distinções desapareceram.

Lá, minha vontade não tem sentido.

Se não está em lugar nenhum, como devo estar

ciente disso?

Se vai e volta, não sei

Onde tem estado a vagar. Se põe-se a migrar

Daqui para ali, não sei onde há de encerrar-se.

A mente permanece indeterminada no grande Vazio.

Aqui, o conhecimento mais elevado

Não tem limites. O que dá às coisas os atributos

Definidores de suas essências não pode ser delimitado

pelas coisas.

Assim, quando falamos de ‘limites’, ficamos

confinados

A coisas limitadas.

O limite do ilimitado chama-se ‘plenitude’.

O ilimitado do limitado chama-se ‘vacuidade’.

O Tao é a fonte de ambos. Mas ele mesmo

Não é nem plenitude nem vacuidade.

O Tao produz tanto renovação quanto decadência,

Mas não é nem renovação nem decadência.

Ele é a causa do ser e do não-ser,

Mas não é nem o ser nem o não-ser.

O Tao aglutina e destrói,

Mas não é nem a Totalidade nem o Vazio.”

 

Referência:

 

MERTON, Thomas. Where is tao? In: __________. In the dark before dawn: new selected poems of Thomas Merton. Edited with an introduction and notes by Lynn R. Szabo. Preface by Kathleen Norris. 1st publ. New York, NY: New Directions, 2005. p. 177-178.

Um comentário:

  1. P.s.: A rigor, o poema não saiu originalmente da pena de Thomas Merton, estando em inglês em face da tradução do monge trapista para um poema em chinês de Chuang Tzu, filósofo taoísta do século IV a.C.
    João A. Rodrigues

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