Os versos do poeta baiano retroagem ao passado e, ao desembarcarem no aqui e agora, agrilhoam-se aos fios de uma inapagável memória, detendo-o para sempre “exilado” das imagens que então lhe cintilavam aos olhos: janeiro é um referente de início, de “inventos” na natureza – ou mais bem, de gêneses que concernem a sazões –, induzindo a encontros, enlaces, excitações, volúpias.
São os ânimos do verão no auge, tempo de luz em terras tropicais e de clima mais tépido, quando as chuvas abundantes fazem eclodir nuvens de insetos – “aleluias”, besouros, mariposas, joaninhas –, levas de girinos e de pássaros em revoada, a valer, profusos estímulos da natureza para que se vençam quaisquer eventuais melancolias remanescentes das festas de final de ano.
J.A.R. – H.C.
Ruy Espinheira Filho
(n. 1942)
Janeiro
Janeiro descia com as chuvas e inventava besouros
e borboletas e pássaros e girinos e
caminhávamos descalços no barro
e lá estavam as lavadeiras com suas coxas
morenas e fortes como a água
e que todas as noites me assombravam
calidamente.
Janeiro soprava um vento de primeiro instante de
tudo
e o que respirávamos se chamava manhã
e foi
o que eu quis te ofertar porque eras tão bela.
Mas isso aconteceu depois. Depois
como agora.
E é para sempre
para nunca mais
este exílio.
Mulheres lavando roupas junto ao rio
(Daniel R. Knight: pintor norte-americano)
Referência:
ESPINHEIRA FILHO, Ruy. Janeiro. In:
__________. Poesia reunida e inéditos: 1966-1998. 2. ed. Rio de Janeiro,
RJ: Record, 1998. p. 216.
Saúdo o sensível autor desse blog, J. A. Rodrigues que, sempre sensível e exato na escolha, nos dá de presente esse belo poema de Ruy Espinheira Filho. Viajei na leitura e me vi escrevendo antigo poema NAQUELE JANEIRO. (Naquele janeiro as centopeias seriam silenciadas pela chuva...). Ao J. A. Rodrigues e aos leitores do blog, desejamos um 2022 sem intercorrências. E, sempre, a costumeira saúde estética, imprescindível para interpretação de um mundo (inclusive interior), em permanente transformação.
ResponderExcluirPrezado Geraldo,
ExcluirRetribuo os votos. Que tenhamos um ano promissor e que o país seja capaz de superar, de uma vez por todas, esse divisionismo que, por ora, nele grassa.
Um abraço,
João A. Rodrigues