Neste “Epílogo” ao “Le Spleen de Paris” (póstumo 1846-1859), Baudelaire – paradoxalmente para os leitores mais desavisados sobre o padrão de sua obra – evoca os aspectos mais insólitos ou sórdidos da capital francesa, a saber, “hospital, lupanares, purgatório, inferno, penitenciária”, exprimindo-se em termos amorosos diante desse desarranjo contemplado desde o cimo de uma montanha.
Baudelaire deixa-se atrair pelo lado mais “devasso” ou mesmo “infame” – como o próprio poeta a adjetiva – de Paris, chegando a afirmar que os prazeres oferecidos por prostitutas, cortesãs e bandidos não podem ser compreendidos pelos “profanos vulgares”, do que se deduz que, habituado às compulsões desencadeadas pelo afeiçoamento a Satã, tornara-se ele próprio um “profano requintado”! (rs)
J.A.R. – H.C.
Charles Baudelaire
(1821-1867)
Épilogue
Le cœur content, je suis monté sur la montagne
D’où l’on peut contempler la ville en son ampleur,
Hôpital, lupanars, purgatoire, enfer, bagne,
Où toute énormité fleurit comme une fleur.
Tu sais bien, ô Satan, patron de ma détresse,
Que je n’allais pas là pour répandre un vain pleur;
Mais comme un vieux paillard d’une vieille
maîtresse,
Je voulais m’enivrer de l’énorme catin
Dont le charme infernal me rajeunit sans cesse.
Que tu dormes encor dans les draps du matin,
Lourde, obscure, enrhumée, ou que tu te pavanes
Dans les voiles du soir passementés d’or fin,
Je t’aime, ô capitale infâme! Courtisanes
Et bandits, tels souvent vous offrez des plaisirs
Que ne comprennent pas les vulgaires profanes.
Satã no Conclave
Em preto e branco no original
(Gustave Doré: ilustrador francês)
Epílogo
De coração contente, subo uma colina
Da qual se pode ver toda a cidade:
Bordel, inferno, purgatório e piscina
Em que qualquer espécie de maldade
Floresce. Ó Satã, senhor do meu pesar,
Bem sabes que não vim por vã saudade,
Mas para, velho libertino, desfrutar
Da grande meretriz os dotes infernais
Que me inebriam e remoçam ser cessar.
Quer durmas nos lenções das brumas matinais,
Quer tua manta de ouro semeada
Ostentes a bater as ruas noturnais,
Eu te amo, capital famigerada!
Ladrões e cortesãs, às vezes, oferecem
Prazeres tais de que o vulgar não sabe nada.
Referências:
Em Francês
BAUDELAIRE, Charles. Épilogue. In: __________. Oeuvres complètes. IV: Petits poèmes en prose (les paradis artificiels). Paris, FR: Michel Lévy Frères Éditeurs, 1869. p. 151.
Em Português
BAUDELAIRE, Charles. Epílogo. Tradução
de Oleg Almeida. In: __________. O esplim de Paris: pequenos poemas em
prosa e outros escritos. Tradução de Oleg Almeida. São Paulo: Martin Claret,
2010. p. 131. (Coleção MC Clássicos de Bolso: literatura universal, n. 4)
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