O falante deste poema encontra-se num belo jardim que, pelas alusões contidas nos versos, assemelha-se ao das primícias do Éden bíblico, não só em razão das imagens de pomares e de vinhedos, como também das associações que dizem respeito à “queda” de Adão e Eva, depois de haverem cedido à sugestão da serpente, alimentando-se do fruto proibido.
Alguém poderia reportar, mais ao longe, o relato da maçã caindo sobre a cabeça de Newton (1643-1727), a lhe fomentar as ideias que iriam desaguar na lei da gravitação universal. Consigne-se, contudo, que tal lei somente veio à prensa em 1687 – posteriormente, portanto, ao falecimento do poeta.
Há mais na segunda estância: quando se menciona o fato de que os tipos ou categorias surgem aos pares, logo evocamos a cena dos animais, em parelhas, adentrando a arca de Noé. Aliás, mesmo a forma das rimas, no original, em díades, memora tal ideia. Reivindica-se, de um lado, a coisa em si, ou seja, em seu estado imanente, e, de outro, a imagem que dela se reproduz na efervescência da mente.
Mas a mente também tem os seus pensamentos originais, ou não meramente reflexivos, sobre a natureza – e é a isso que o poeta se refere quando formula “pensamentos verdes” na cabeça de alguém a matutar sob o verde de hipotéticas frondes.
J.A.R. – H.C.
Andrew Marvell
(1621-1678)
Thoughts in a Garden (Excerpts)
What wond’rous life in this I lead!
Ripe apples drop about my head;
The luscious clusters of the vine
Upon my mouth do crush their wine;
The nectarine and curious peach
Into my hands themselves do reach;
Stumbling on melons as I pass,
Ensnar’d with flow’rs, I fall on grass.
Meanwhile the mind, from pleasure less,
Withdraws into its happiness;
The mind, that ocean where each kind
Does straight its own resemblance find,
Yet it creates, transcending these,
Far other worlds, and other seas;
Annihilating all that’s made
To a green thought in a green shade.
Le Cannet: Madame Lebasque lendo no jardim
(Henri Lebasque: pintor francês)
Pensamentos em um Jardim (Excertos)
Quão maravilhosa é esta vida que levo!
Maçãs maduras caem-me sobre a cabeça;
Dos suculentos racimos da videira
Espremem-me sobre a boca o vinho;
A nectarina e o primoroso pêssego
Chegam-me até as próprias mãos;
Tropeçando em melões ao passar,
Enredado em flores, tombo na grama.
Contudo, sendo escasso o prazer, a mente
Refugia-se em seu estado de felicidade;
A mente, esse oceano onde cada gênero
Encontra aquele que lhe seja semelhante,
Cria, ainda assim, transcendendo a esses,
Outros distantes mundos e outros mares,
Aniquilando tudo quanto há de manifesto
Em prol de um pensar verde à verde sombra.
Referência:
MARVELL, Andrew. Thoughts in a garden. In:
KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good poems for hard times.
New York, NY: Penguin Books, 2006. p. 23.
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