Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Gioconda Belli - Desafio à velhice

A poetisa e romancista nicaraguense lança reptos à velhice, estação até a qual espera nalgum dia chegar, predizendo que mesmo lá os seus ideais – adjetivados como “rebeldes” – ainda estarão viçosos, descortinando horizontes e justificando a sucessão de manhãs que o sol lhe descortina – e há de lhe descortinar – a cada aurora.

Porque viver é exatamente isso: manter perene a paixão por um sonho, firme numa trilha de devotamento e de exuberância espiritual, de hábitos consistentes de inteligência prática, pois que de outro modo cai-se em morosidade e inércia, fazendo com que cada dia seja uma replicação sem sentido do que já passou, sem renovos, sem mudanças, sem brotos que emerjam do solo de nossa mente, agora empobrecido de seus nutrientes.

J.A.R. – H.C.

 

Gioconda Belli

(n. 1948)

 

Desafío a la vejez

 

Cuando yo llegue a vieja

– si es que llego –

y me mire al espejo

y me cuente las arrugas

como una delicada orografía

de distendida piel.

Cuando pueda contar las marcas

que han dejado las lágrimas

y las preocupaciones,

ya mi cuerpo responda despacio

a mis deseos,

cuando vea mi vida envuelta

en venas azules,

en profundas ojeras,

y suelte blanca mi cabellera

para dormirme temprano

– como corresponde –

cuando vengan mis nietos

a sentarse sobre mis rodillas

enmohecidas por el paso de muchos inviernos,

sé que todavía mi corazón

estará – rebelde – tictaqueando

y las dudas y los anchos horizontes

también saludarán

mis mañanas.

 

Avó e neta

(Max Rentel: pintor alemão)

 

Desafio à velhice

 

Quando chegar à velhice

– se é que até lá chegarei –

e me olhar ao espelho

contando minhas rugas

como uma delicada orografia

de pele sem tônus;

quando puder contar as marcas

deixadas por lágrimas

e preocupações,

e meu corpo passar a responder lentamente

aos meus desejos;

quando vir minha vida envolta

em veias azuis,

em profundas olheiras,

e soltar meus cabelos brancos

para cedo dormir

– como convém –;

quando meus netos vierem

sentar-se sobre meus joelhos,

desgastados com o passar de muitos invernos;

segura estou de que meu coração ainda

estará – rebelde – tiquetaqueando

e as dúvidas e os amplos horizontes

também saudarão

minhas manhãs.


Referência:

BELLI, Gioconda. Desafío a la vejez. In: FLORES, Ángel; FLORES, Kate (Orgs.). Poesía feminista del mundo hispánico: desde la edad media hasta la actualidade. Antología crítica. Edición al cuidado de María Luisa Puga. Introducción de Ángel Flores y Kate Flores. 5. ed. México, DF: Siglo Veintiuno Editores, 2002. p. 278-279.

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