A poetisa e romancista nicaraguense lança reptos à velhice, estação até a qual espera nalgum dia chegar, predizendo que mesmo lá os seus ideais – adjetivados como “rebeldes” – ainda estarão viçosos, descortinando horizontes e justificando a sucessão de manhãs que o sol lhe descortina – e há de lhe descortinar – a cada aurora.
Porque viver é exatamente isso: manter perene a paixão por um sonho, firme numa trilha de devotamento e de exuberância espiritual, de hábitos consistentes de inteligência prática, pois que de outro modo cai-se em morosidade e inércia, fazendo com que cada dia seja uma replicação sem sentido do que já passou, sem renovos, sem mudanças, sem brotos que emerjam do solo de nossa mente, agora empobrecido de seus nutrientes.
J.A.R. – H.C.
Gioconda Belli
(n. 1948)
Desafío a la vejez
Cuando yo llegue a vieja
– si es que llego –
y me mire al espejo
y me cuente las arrugas
como una delicada orografía
de distendida piel.
Cuando pueda contar las marcas
que han dejado las lágrimas
y las preocupaciones,
ya mi cuerpo responda despacio
a mis deseos,
cuando vea mi vida envuelta
en venas azules,
en profundas ojeras,
y suelte blanca mi cabellera
para dormirme temprano
– como corresponde –
cuando vengan mis nietos
a sentarse sobre mis rodillas
enmohecidas por el paso de muchos inviernos,
sé que todavía mi corazón
estará – rebelde – tictaqueando
y las dudas y los anchos horizontes
también saludarán
mis mañanas.
Avó e neta
(Max Rentel: pintor alemão)
Desafio à velhice
Quando chegar à velhice
– se é que até lá chegarei –
e me olhar ao espelho
contando minhas rugas
como uma delicada orografia
de pele sem tônus;
quando puder contar as marcas
deixadas por lágrimas
e preocupações,
e meu corpo passar a responder lentamente
aos meus desejos;
quando vir minha vida envolta
em veias azuis,
em profundas olheiras,
e soltar meus cabelos brancos
para cedo dormir
– como convém –;
quando meus netos vierem
sentar-se sobre meus joelhos,
desgastados com o passar de muitos invernos;
segura estou de que meu coração ainda
estará – rebelde – tiquetaqueando
e as dúvidas e os amplos horizontes
também saudarão
minhas manhãs.
Referência:
BELLI, Gioconda. Desafío a la vejez.
In: FLORES, Ángel; FLORES, Kate (Orgs.). Poesía feminista del mundo hispánico:
desde la edad media hasta la actualidade. Antología crítica. Edición al cuidado
de María Luisa Puga. Introducción de Ángel Flores y Kate Flores. 5. ed. México,
DF: Siglo Veintiuno Editores, 2002. p. 278-279.
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