O amor é como um círio a iluminar a
“noite escura da alma”, sentimento que nos congratula com as belezas da
natureza e os dotes do(a) amado(a), com ele(a) partilhando o mesmo pão e
sorvendo os mesmos acordes de uma música que se pretende harmônica, tal que se
venha a configurar como o “adorno mais belo de uma vida”.
E o enleio do amor, nos dizeres do falante, é tão arrebatador que, feito uma “criança alienada”, sequer atreve-se a abrir os olhos, nem a pronunciar qualquer palavra, com receio de que o círio e a sua luz desapareçam, tornando tudo novamente uma trilha escura, desarrimo para cegos, ou melhor, tribulação nas vias de acesso à encosta desse fastígio que é o mais sublime de todos os êxtases.
J.A.R. – H.C.
Gastón Baquero
(1914-1997)
Nocturno luminoso
Music I heard with
you was more than music, and
bread I broke with
you was more than bread.
Conrad Aiken
Como un mapa pintado
de violento amarillo sobre una pared gris,
como una mariposa
aparecida de súbito en médio de los niños en el aula,
inesperadamente así,
cuando es más noche
la noche de los ciegos extraviados en el laberinto,
puede aparecer de
pronto una figura humana que sea como un cirio dulcemente encendido,
como el sol personal,
o como el recuerdo de que hay también estrellas y hermosura,
y algo bello cantando
todavía entre las viejas venas de la tierra.
Como un mapa o como
una mariposa que se queda adherida en un espejo,
la dulce piel invade
e ilumina las praderas oscuras del corazón;
inesperadamente así,
como la centella o el árbol florecido,
esa piel luminosa es
de pronto el adorno más bello de una vida,
es la respuesta
pedida largamente a la impenetrable noche:
una llama de oro, un
resplandor que vence a todo abismo,
un misterioso
acompañamiento que impide la tristeza.
Como un mapa o como
una mariposa así de simple es amar.
¡Adiós a las sombras,
a los días ahogados de hastío, al girovagar la Nada!
Amar es ver en otra
persona el cirio encendido, el sol manuable y personal
que nos toma de la
mano como a un ciego perdido entre lo oscuro,
y va iluminándonos
por el largo y tormentoso túnel de los días,
cada vez más radiante,
hasta que no vemos
nada de lo tenebroso antiguo,
y todo es una música
asentada, y un deleite callado,
excepcionalmente
feliz y doloroso a un tiempo,
tan niño enajenado
que no se atreve a abrir los ojos, ni a pronunciar una palabra,
por miedo a que la
luz desaparezca, y ruede a tierra el cirio,
y todo vuelva a ser
noche en derredor
la noche interminable
de los ciegos.
En: “Magias e
invenciones” (1984)
Melodia da Noite
(Leonid Afremov:
pintor israelense)
Noturno iluminado
Music I beard with you
was more than music, and
bread I broke with
you was more than bread. (*)
Conrad Aiken
Como um mapa pintado
de amarelo berrante sobre uma parede cinza,
como uma borboleta
que aparece de súbito no meio das crianças na classe,
assim inesperadamente
quando é mais noite a
noite dos cegos extraviados no labirinto,
pode aparecer de
repente uma figura humana que seja como um círio docemente aceso,
como o sol pessoal,
ou como a lembrança de que há também estrelas e formosura,
e algo belo ainda
cantando entre as velhas veias da terra.
Como um mapa ou como
uma borboleta aderida a um espelho,
a doce pele invade e
ilumina as pradarias escuras do coração;
assim
inesperadamente, como a centelha ou a árvore florida,
essa pele luminosa é
de repente o adorno mais belo de uma vida,
é a resposta pedida
largamente à impenetrável noite:
uma chama de ouro, um
resplendor que vence todo abismo,
um misterioso
acompanhamento que impede a tristeza.
Como um mapa ou como
uma borboleta assim tão simples é amar,
Adeus às sombras, aos
dias afogados no tédio, a perambular no Nada!
Amar é ver em outra
pessoa o círio aceso, o sol manejável e pessoal
que nos toma pela mão
como um cego perdido no escuro,
e vai nos iluminando
pelo longo e atormentado túnel dos dias,
cada vez mais
radiante,
até que não vemos
nada do passado tenebroso,
e tudo é uma música
afinada, e um deleite calado,
excepcionalmente
feliz e doloroso ao mesmo tempo,
tão criança alienada
que não se atreve a abrir os olhos, nem a pronunciar uma palavra,
com medo de que a luz
desapareça, e o círio caia por terra,
e tudo volte a ser
noite ao redor
a noite interminável
dos cegos.
Em: “Magias e
invenções” (1984)
Nota:
(*). “A música que escutei contigo foi mais do que música, e o pão que contigo partilhei foi mais do que pão.” – excerto do poema “Bread and Music” (“Pão e Música”), do poeta norte-americano Conrad Aiken.
Referência:
BAQUERO, Gastón. Noturno luminoso /
Noturno iluminado. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. In:
LEMUS, Virgilio López (Seleção, prefácio e notas). Vinte poetas cubanos do
século XX. Edição bilíngue. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete
Guimarães Barros. Florianópolis (SC): Ed. da UFSC, 1994. Em espanhol: p. 150 e
152; em português: p. 151 e 153.
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