Sob um viés funesto, os versos deste poema, sem quaisquer sinais de pontuação, acabam por difundir uma mensagem de cujas réstias avulta o olhar irônico e até mesmo corrosivo da voz lírica, diante da indolência, da passividade, dos interesses não explicitamente revelados – porque hipócritas –, com que a maioria das pessoas enfrenta a desventura de alguém que experimenta o trespasse da morte.
O réquiem consagra-se a tudo o que de mais humano haja se desencaminhado na sociedade – valores consistentes, espírito coletivo, solidariedade, sensibilidade empática – em contraposição à prevalência do ego, o homem alienado de seus pares, indiferente e tíbio, a dar mais ênfase aos contornos do próprio umbigo.
Frente aos estertores da morte, nesse “bosque de maldições”, a soturna música presta-se a nos alertar para as sendas de solidões e de superficialidades nas quais, em épocas recentes, ousamos adentrar. Teremos futuro?...
J.A.R. – H.C.
Miodrag Pávlovitch
(1928-2014)
Реквиjем
Овога пута
умро jе неко близу
Реквиjем
у сивом парку
под затвореним небом
Жене су пошле за мртвим телом
смрт jе остала у празноj соби
и спустила завесу
Осетите
свет jе постао лакши
за jедан људски мозак
Приjатна тишина после ручка
босоног дечак седи на капиjи
и jеде грожђе
Зар ико
остане веран ономе што изгуби
Не журите се са смрћу
нико на никог не личи
синови мисле на играчке
И не опраштаjте се при одласку
то jе смешно
и погрдно
Réquiem
(Sarychev Alexander: pintor russo)
Réquiem
Desta vez
morreu alguém por perto
Réquiem
no parque cinzento
sob o céu carrancudo
As mulheres seguiram o corpo morto
a morte ficou no quarto vazio
e desceu a cortina
Sintam
o mundo ficou mais leve
por um cérebro humano
Silêncio agradável depois do almoço
o menino descalço senta-se ao portão
e come uvas
Será que alguém permanece fiel
àquilo que perdeu
Vocês não devem ter pressa com a morte
ninguém se parece com ninguém
os filhos pensam em brinquedos
E não se despeçam ao partir
isso é engraçado
e ofensivo
Referência:
PÁVLOVITCH, Miodrag. Реквиjем / Réquiem. Tradução de Aleksandar Jovanović. n: __________. Bosque
da maldição. Seleção, introdução e tradução de Aleksandar Jovanović. Edição
bilíngue. Brasília, DF: Editora da UnB, 2003. Em sérvio: p. 100 e 102; em
português: p. 101 e 103. (Coleção ‘Poetas do Mundo’, dirigida por Henryk
Siewierski)
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