Beça, autor, editor e poeta manauara, retrata os principais ícones da quadra natalina em meio ao ambiente tropical da grande floresta amazônica, permeando os versos com vocábulos típicos da região, objetivando com isso aproximar o enredo, distante em tempo e lugar, aos que familiarizados estão com o verde ostensivo, o mormaço e a amplidão das águas do portentoso rio.
Nada de montarias em dromedários, senão canoas de caviúnas; idem, ouro, incenso e mirra, permutados por cheiro-verde, peixes e beijus: assim o menino – um curumim –, deitado não em uma manjedoura, mas num cocho de itaúba, é presenteado num cenário que nem de longe lembra um estábulo, envolto em típicos eflúvios de maniva e de banho-de-cheiro.
J.A.R. – H.C.
Anibal Beça
(1946-2009)
Verde que se faz verde primícia
Verde que se faz verde primícia
do rocio que a linfa leve aufere.
Frágil manhã trescalando ervas
banho-de-cheiro silvestre e puro
em oferenda para o nascituro.
Ele virá da luz e das águas
das verdolengas águas de várzea.
Como a gárrula dos sábios prevê
crescerá gaio à fímbria de igapós.
Um cocho de itaúba será berço
dossel de samambaias, canaranas
para que o novo enviado aprenda
desde muito cedo, a convivência
agridoce do olor da maniva.
Flava espiga, o sol de verão, sopra
a brisa na brasa do mormaço
e o alicorne vibra o fim da tarde.
Súbito, vésper tremeluzindo
é guia e sinal aos magos de longe:
chegam canoas na frágil maromba.
Maromba manjedoura da várzea
recebe Gaspar, Baltasar, Melquior;
vieram saudar curumim que nasceu;
não viajaram em dóceis camelos;
as montarias, canoas caviúnas;
e nem trouxeram ouro, incenso ou mirra,
mas cheiro-verde, peixes e beijus.
Orquídea e colibri perto de uma cascata
(Martin J. Heade: pintor norte-americano)
Referência:
BEÇA, Anibal. Verde que se faz verde
primícia. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor: Anibal Beça.
Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2007. p. 79. (‘Cinquenta poemas
escolhidos pelo autor’; v. 23)
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