Nestes versos, a poetisa chilena conjuga o verbo no passado, narrando o que se passa em sua cabeça numa mudança de ano, ou seja, fatos de uma vida pretérita que aquilata pouco digna de haver gozado junto à sua família, da qual se julga distanciada, “alheia”, daí o adjetivo “antigo” ou “velho” para o ano que assim se inicia, carregado de lembranças pouco benfazejas.
Veja-se que não se percebem propostas de mudança ou de planos para o futuro – muito diversamente do que sucede com a maioria das pessoas –, estando a voz lírica exatamente do lado oposto, a fazer parte daquele grupo que assume estados depressivos durante a aludida quadra, questionando tensamente a qualidade de seus relacionamentos, quer familiares quer em sociedade.
J.A.R. – H.C.
Raquel Jodorowsky
(1927-2011)
Año Nuevo Antiguo
Sola en mi habitación, girando
con el mundo entero en la cabeza
desde el primer día en que nací.
Mi padre partiendo mandíbulas de vagabundos
en una tienda de calcetines de la avenida Matucana
Mi hermano ocultando gatos dentro de la cama
Mi madre besándose en el espejo
Yo recuerdo a la Emilia del campo que encendía
braceros
y me hablaba de Don Juan de Dios
quien desde la muerte de su esposa caminó de
espaldas
en las calles para siempre
como protesta a la injusticia de la vida.
Yo aprendía a soñar sobre el techo de la casa
El hombre de confianza que venía para arreglar
las cerraduras de las puertas
y nadie supo la vez que quiso hacerme un hijo
parecido a él.
Yo pensando si me mato o no.
La abuela envuelta en pieles que me acusaba
de retardada mental.
Yo amando en la ventana.
Los años pasan inútiles.
He sido tan ajena a esta familia.
A Carta
(Abraham Solomon: pintor inglês)
Ano Novo Antigo
Sozinha em meu quarto, girando
com o mundo inteiro na cabeça
desde o primeiro dia em que nasci.
Meu pai arrebentando as mandíbulas de vagabundos
em uma loja de meias na Avenida Matucana.
Meu irmão escondendo gatos dentro da cama.
Minha mãe beijando-se no espelho.
Recordo-me da camponesa Emília acendendo fogueiras
e me contando sobre Dom João de Deus que,
desde a morte de sua esposa, passara a caminhar de
costas,
nas ruas e para sempre,
como protesto às injustiças da vida.
Eu aprendia a sonhar sobre o telhado de casa.
O homem de confiança que vinha consertar
as fechaduras das portas,
de quem ninguém ficara sabendo da vez em que
intentou
fazer-me um filho a ele parecido.
Eu pensando se me devo matar ou não.
A avó envolta em peles, que me acusava
de retardo mental.
Eu amando à janela.
Os anos passam inúteis.
Tenho sido tão alheia a esta família.
Referência:
JODOROWSKY, Raquel. Año nuevo antiguo. In:
MONDRAGÓN, Sergio; RANDALL, Margaret (Eds.). El corno emplumado / The plumed
horn, México - DF, n. 12, oct. 1964, p. 86. Disponível neste endereço. Acesso em: 12 dez.
2021.
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