Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 9 de janeiro de 2022

Adélia Prado - Dolores

Quando se reconhece não ser mais jovem, a falante, apesar de envolta em debates sobre temas candentes de momento – política, feminismo, reforma penal –, observa que sua presença, ou melhor, sua palavra já não ressoa junto aos moços com os mesmos respeito e força de antes. Por outra perspectiva, tampouco espera que sua imagem seja, de algum modo, fixada em arte para levar-lhe o nome à posteridade.

De fato, a voz que nos fala exige a comum sorte das mulheres que são senhoras no domínio de suas casas – varrer, espanar, cozinhar, passar – e que, mesmo quando viúvas, não dispensam eventual novo matrimônio, dadas as delícias do sexo, tudo porque a vida é curta e Adélia parece querer dar máxima e urgente aplicação aos ensinamentos do Eclesiastes (Ec. 9: 10): “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma”.

J.A.R. – H.C.

 

Adélia Prado

(n. 1935)

 

Dolores

 

Hoje me deu tristeza,

sofri três tipos de medo

acrescidos do fato irreversível:

não sou mais jovem.

Discuti política, feminismo,

a pertinência da reforma penal,

mas ao fim dos assuntos

tirava do bolso meu caquinho de espelho

e enchia os olhos de lágrimas:

não sou mais jovem.

As ciências não me deram socorro,

não tenho por definitivo consolo

o respeito dos moços.

Fui no Livro Sagrado

buscar perdão pra minha carne soberba

e lá estava escrito:

“Foi pela fé que também Sara, apesar da

idade avançada,

se tornou capaz de ter uma descendência...”

Se alguém me fixasse, insisti ainda,

num quadro, numa poesia...

e fossem objeto de beleza os meus músculos

frouxos...

Mas não quero. Exijo a sorte comum das

mulheres nos tanques,

das que jamais verão seu nome impresso

e no entanto

sustentam os pilares do mundo, porque

mesmo viúvas dignas

não recusam casamento, antes acham

sexo agradável,

condição para a normal alegria de amarrar

uma tira no cabelo

e varrer a casa de manhã.

Uma tal esperança imploro a Deus.

 

Em: “O coração disparado” (1978)

 

Fantasia de Minas

(Alberto da V. Guignard: pintor fluminense)


Referência:

PRADO, Adélia. Dolores. In: __________. Reunião de poesia: 150 poemas selecionados. Prefácio de Adilson Citelli. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso, 2014. p. 121-122.

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