Quando se reconhece não ser mais jovem, a falante, apesar de envolta em debates sobre temas candentes de momento – política, feminismo, reforma penal –, observa que sua presença, ou melhor, sua palavra já não ressoa junto aos moços com os mesmos respeito e força de antes. Por outra perspectiva, tampouco espera que sua imagem seja, de algum modo, fixada em arte para levar-lhe o nome à posteridade.
De fato, a voz que nos fala exige a comum sorte das mulheres que são senhoras no domínio de suas casas – varrer, espanar, cozinhar, passar – e que, mesmo quando viúvas, não dispensam eventual novo matrimônio, dadas as delícias do sexo, tudo porque a vida é curta e Adélia parece querer dar máxima e urgente aplicação aos ensinamentos do Eclesiastes (Ec. 9: 10): “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma”.
J.A.R. – H.C.
Adélia Prado
(n. 1935)
Dolores
Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo
acrescidos do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política, feminismo,
a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos
tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas:
não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo
o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado
buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
“Foi pela fé que também Sara, apesar da
idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência...”
Se alguém me fixasse, insisti ainda,
num quadro, numa poesia...
e fossem objeto de beleza os meus músculos
frouxos...
Mas não quero. Exijo a sorte comum das
mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso
e no entanto
sustentam os pilares do mundo, porque
mesmo viúvas dignas
não recusam casamento, antes acham
sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar
uma tira no cabelo
e varrer a casa de manhã.
Uma tal esperança imploro a Deus.
Em: “O coração disparado” (1978)
Fantasia de Minas
(Alberto da V. Guignard: pintor fluminense)
Referência:
PRADO, Adélia. Dolores. In: __________.
Reunião de poesia: 150 poemas selecionados. Prefácio de Adilson Citelli.
3. ed. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso, 2014. p. 121-122.
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