O poema, essa compilação de versos sempre aquém das abrangentes representações do que se nos mostra tangível, nada mais é que um arabesco, mera tentativa de se condensar o sentido último da realidade, terminantemente irredutível às limitadas possibilidades da linguagem.
O rúptil, o instável, o contingente, a impermanência, enfim, são parte desse mundo inefável traduzido em alegorias, símbolos, metáforas, repletas de beleza – é claro –, singularizadas num instantâneo que é eternidade ao espírito, mas sempre a desvanecer-se antes que o sonho nos tenha levado a adentrar os portões do paraíso.
J.A.R. – H.C.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
Fragilidade
Este verso, apenas um
arabesco
em torno do elemento
essencial – inatingível.
Fogem nuvens de
verão, passam aves, navios, ondas,
e teu rosto é quase
um espelho onde brinca o incerto movimento,
ai! já brincou, e
tudo se fez imóvel, quantidades e quantidades
de sono se depositam
sobre a terra esfacelada.
Não mais o desejo de
explicar, e múltiplas palavras em feixe
subindo, e o espírito
que escolhe, o olho que visita, a música
feita de depurações e
depurações, a delicada modelagem
de um cristal de mil
suspiros límpidos e frígidos: não mais
que um arabesco,
apenas um arabesco
abraça as coisas, sem
reduzi-las.
Em: “A Rosa do Povo”
(1945)
Fim do Arabesco
(Edgar Degas: pintor francês)
Referência:
ANDRADE, Carlos Drummond. Fragilidade.
In: __________. A rosa do povo / Claro enigma: 2 livros em 1. Rio de
Janeiro, RJ: BestBolso, 2010. p. 53. (Coleção “Saraiva Vira-Vira”; Poesia
Clássica)
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