Com todo o lirismo que lhe é característico, o poeta sevilhano canta as suas lembranças de infância, vividas em terras andaluzas, repletas de dispersas e azuis serranias, iluminadas por um sol tórrido e arrebóis que se estendem por horas intermináveis – confrontando-as com as da “mística e guerreira” Castela, onde corre o Douro e se sentia como um “estrangeiro” em sua própria terra, o reino de Espanha.
Os versos, impregnados por uma atmosfera nostálgica, ressoam o passado grandioso de um domínio que, à época em que redigido o poema, tornara-se de certa forma “deserto” em suas cidades: Machado idealiza o dia em que os corpos virginais dos ungidos pela luz das profundezas – imagino que se refira a figuras ou mesmo personificações que lhe ficaram gravadas na memória – hão de ressurgir no velho litoral, permitindo-lhe, dessa forma, contemporizar com os seus ideais.
J.A.R. – H.C.
Antonio Machado
(1875-1939)
Campos de Castilla (*)
CXXV
En estos campos de la tierra mía,
y extranjero en los campos de mi tierra
– yo tuve patria donde corre el Duero
por entre grises peñas,
y fantasmas de viejos encinares,
allá en Castilla, mística y guerrera,
Castilla la gentil, humilde y brava,
Castilla del desdén y de la fuerza –,
en estos campos de mi Andalucía,
¡oh tierra en que nací!, cantar quisiera.
Tengo recuerdos de mi infancia, tengo
imágenes de luz y de palmeras,
y en una gloria de oro,
de lueñes campanarios con cigüeñas,
de ciudades con calles sin mujeres
bajo un cielo de añil, plazas desiertas
donde crecen naranjos encendidos
con sus frutas redondas y bermejas;
y en un huerto sombrío, el limonero
de ramas polvorientas
y pálidos limones amarillos,
que el agua clara de la fuente espeja,
un aroma de nardos y claveles
y un fuerte olor de albahaca y hierbabuena;
imágenes de grises olivares
bajo un tórrido sol que aturde y ciega,
y azules y dispersas serranías
con arreboles de una tarde inmensa;
mas falta el hilo que el recuerdo anuda
al corazón, el ancla en su ribera,
o estas memorias no son alma. Tienen,
en sus abigarradas vestimentas,
señal de ser despojos del recuerdo,
la carga bruta que el recuerdo lleva.
Un día tornarán, con luz del fondo ungidos,
los cuerpos virginales a la orilla vieja.
Lora del Río, 4 de
abril de 1913.
En: “Campos de Castilla” (1907-1917)
Paisagem de Castela
(Aureliano de Beruete: pintor espanhol)
Campos de Castela
CXXV
Nestes campos da terra
minha,
e estrangeiro nos campos
de minha terra
– eu tive pátria onde o
Douro corre
por entre rochas
cinzentas,
e fantasmas de velhos azinhais,
lá em Castela, mística e
guerreira,
Castela a gentil, humilde
e brava,
Castela do desdém e da
força –,
nestes campos de minha
Andaluzia,
oh terra em que nasci! –
cantar quisera.
Tenho lembranças de minha
infância, tenho
imagens de luz e de
palmeiras,
e em uma glória de ouro,
de distantes campanários
com cegonhas,
de cidades com ruas sem
mulheres
sob um céu de anil,
praças desertas
onde crescem vistosas
laranjeiras
com seus frutos redondos
e vermelhos;
e em um pomar sombroso, o
limoeiro
com ramos empoeirados
e pálidos limões amarelos,
que a água límpida da
fonte espelha,
um aroma de nardos e cravos
e um forte olor de
manjericão e hortelã;
imagens de cinzentos
olivais
sob um tórrido sol que
aturde e cega,
e azuis e dispersas
serranias
com arrebóis de uma tarde
imensa;
mas falta o fio que
prende a lembrança
ao coração, a âncora em
sua ribeira,
ou estas memórias não são
alma. Têm,
em suas variegadas
roupagens,
sinal de ser despojos da
lembrança,
o bruto fardo que a
lembrança transporta.
Um dia, ungidos com a luz
do fundo,
os corpos virginais
voltarão à velha costa.
Lora del Río, 4 de abril de 1913.
Em: “Campos
de Castela” (1907-1917)
Nota do Antologista:
(*). Diante da paisagem andaluza, aparecem as lembranças da infância, que ao poeta lhe parecem distantes. Os dois últimos versos manifestam sua esperança de identificar-se algum dia com elas. (MACHADO, 1986, n.r., p. 127)
Referência:
MACHADO, Antonio. Campos de Castilla:
CXXV. In: __________. Antología poética. Edición, introducción, notas,
comentarios y apéndice de José Ángel Crespo. Madrid, ES: Anaya, 1986. p. 126-127.
(Biblioteca Didáctica Anaya; v. 15)
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