Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Antonio Machado - Campos de Castela: CXXV

Com todo o lirismo que lhe é característico, o poeta sevilhano canta as suas lembranças de infância, vividas em terras andaluzas, repletas de dispersas e azuis serranias, iluminadas por um sol tórrido e arrebóis que se estendem por horas intermináveis – confrontando-as com as da “mística e guerreira” Castela, onde corre o Douro e se sentia como um “estrangeiro” em sua própria terra, o reino de Espanha.

Os versos, impregnados por uma atmosfera nostálgica, ressoam o passado grandioso de um domínio que, à época em que redigido o poema, tornara-se de certa forma “deserto” em suas cidades: Machado idealiza o dia em que os corpos virginais dos ungidos pela luz das profundezas – imagino que se refira a figuras ou mesmo personificações que lhe ficaram gravadas na memória – hão de ressurgir no velho litoral, permitindo-lhe, dessa forma, contemporizar com os seus ideais.

J.A.R. – H.C.

 

Antonio Machado

(1875-1939)

 

Campos de Castilla (*)

 

CXXV

 

En estos campos de la tierra mía,

y extranjero en los campos de mi tierra

– yo tuve patria donde corre el Duero

por entre grises peñas,

y fantasmas de viejos encinares,

allá en Castilla, mística y guerrera,

Castilla la gentil, humilde y brava,

Castilla del desdén y de la fuerza –,

en estos campos de mi Andalucía,

¡oh tierra en que nací!, cantar quisiera.

 

Tengo recuerdos de mi infancia, tengo

imágenes de luz y de palmeras,

y en una gloria de oro,

de lueñes campanarios con cigüeñas,

de ciudades con calles sin mujeres

bajo un cielo de añil, plazas desiertas

donde crecen naranjos encendidos

con sus frutas redondas y bermejas;

y en un huerto sombrío, el limonero

de ramas polvorientas

y pálidos limones amarillos,

que el agua clara de la fuente espeja,

un aroma de nardos y claveles

y un fuerte olor de albahaca y hierbabuena;

imágenes de grises olivares

bajo un tórrido sol que aturde y ciega,

y azules y dispersas serranías

con arreboles de una tarde inmensa;

mas falta el hilo que el recuerdo anuda

al corazón, el ancla en su ribera,

o estas memorias no son alma. Tienen,

en sus abigarradas vestimentas,

señal de ser despojos del recuerdo,

la carga bruta que el recuerdo lleva.

 

Un día tornarán, con luz del fondo ungidos,

los cuerpos virginales a la orilla vieja.

 

Lora del Río, 4 de abril de 1913.

 

En: “Campos de Castilla” (1907-1917)

 

Paisagem de Castela

(Aureliano de Beruete: pintor espanhol)

 

Campos de Castela

 

CXXV

 

Nestes campos da terra minha,

e estrangeiro nos campos de minha terra

– eu tive pátria onde o Douro corre

por entre rochas cinzentas,

e fantasmas de velhos azinhais,

lá em Castela, mística e guerreira,

Castela a gentil, humilde e brava,

Castela do desdém e da força –,

nestes campos de minha Andaluzia,

oh terra em que nasci! – cantar quisera.

 

Tenho lembranças de minha infância, tenho

imagens de luz e de palmeiras,

e em uma glória de ouro,

de distantes campanários com cegonhas,

de cidades com ruas sem mulheres

sob um céu de anil, praças desertas

onde crescem vistosas laranjeiras

com seus frutos redondos e vermelhos;

e em um pomar sombroso, o limoeiro

com ramos empoeirados

e pálidos limões amarelos,

que a água límpida da fonte espelha,

um aroma de nardos e cravos

e um forte olor de manjericão e hortelã;

imagens de cinzentos olivais

sob um tórrido sol que aturde e cega,

e azuis e dispersas serranias

com arrebóis de uma tarde imensa;

mas falta o fio que prende a lembrança

ao coração, a âncora em sua ribeira,

ou estas memórias não são alma. Têm,

em suas variegadas roupagens,

sinal de ser despojos da lembrança,

o bruto fardo que a lembrança transporta.

 

Um dia, ungidos com a luz do fundo,

os corpos virginais voltarão à velha costa.

 

Lora del Río, 4 de abril de 1913.

 

Em: “Campos de Castela” (1907-1917)


Nota do Antologista:

(*). Diante da paisagem andaluza, aparecem as lembranças da infância, que ao poeta lhe parecem distantes. Os dois últimos versos manifestam sua esperança de identificar-se algum dia com elas. (MACHADO, 1986, n.r., p. 127)

Referência:

MACHADO, Antonio. Campos de Castilla: CXXV. In: __________. Antología poética. Edición, introducción, notas, comentarios y apéndice de José Ángel Crespo. Madrid, ES: Anaya, 1986. p. 126-127. (Biblioteca Didáctica Anaya; v. 15)

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