Este soneto reflete bem o gosto pretérito de Vinicius pela poesia de língua francesa – Baudelaire, Verlaine, Rimbaud: o “poetinha” percebe com nitidez a mudança que o tempo promove sobre os padrões ou os cânones das obras poéticas, confrontando-a com a permanência da imagem, no caso, a do poeta de “As Flores do Mal”, na mais do que replicada fotografia de Étienne Carjat (1828-1906).
Veja-se que o ente lírico, ao folhear as páginas de uma obra do autor a quem se destina o “bilhete”, experimenta a mesma sensação de pensativa tristeza ou de melancolia suscitada pelo ‘spleen’ (presume-se que em face da árdua refrega visando à eternidade): o tempo, esse inimigo vigilante, obscuro e funesto que nos corrói o coração – diria Baudelaire reiteradamente!
J.A.R. – H.C.
Vinicius de Moraes
(1913-1980)
Bilhete a Baudelaire
Poeta, um pouco à tua maneira
E para distrair o spleen
Que estou sentindo vir a mim
Em sua ronda costumeira
Folheando-te, reencontro a rara
Delícia de me deparar
Com tua sordidez preclara
Na velha foto de Carjat
Que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud...
Como passou depressa o tempo
Como mudou a poesia
Como teu rosto não mudou!
Los Angeles, 1947
Charles Baudelaire
(1821-1867)
(Fotografia de Étienne Carjat
por volta de 1862)
Referência:
MORAES, Vinicius. Bilhete a Baudelaire.
In: __________. Antologia poética. 1. ed. 14. reimp. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2000. p. 186-187.
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